Por Luciana Ramos

Os bons diretores são aqueles que conseguem imprimir a sua marca no cinema e veem os filmes como extensões de si mesmos. Assim, trabalham em cena questões que o afligem, as vezes de forma recorrente, como é o caso de Woody Allen. Martin Scorsese não é exceção. Criado como católico, pensou quando jovem em seguir carreira apostólica e, por isso, a fé é uma das ferramentas que sempre aparece em menor ou maior grau em seus trabalhos. Neste patamar, “Silêncio” é uma das produções que aborda o tema de forma mais literal – e completa.

Adaptado de um romance de Shusaku Endo, a trama conta a história de dois padres portugueses, Sebastião Rodrigues (Andrew Garfield) e Francisco Garupe (Adam Driver), que viajam ao Japão no século XVII em busca de um padre (Liam Neeson) que, dizem, converteu-se ao budismo. Durante a jornada, presenciam a perseguição aos católicos por parte do Governo. Gradualmente, a angústia e dúvida crescem diante da crueldade que presenciam. A sensação de abandono, permeada pelo silêncio Divino, é tratada tanto de forma literal, quanto simbólica, como observado pelo desprezo do diretor por artifícios como a trilha sonora.

 

A complexidade da questão vem à tona tanto a partir da vivência sensorial da fome, desespero e crueldade quanto de discussões filosóficas. Em um dos momentos mais interessantes, questiona-se a o quanto o povo japonês absorve os ensinamentos católicos tal como proferidos, já que eles possuem uma concepção de mundo própria, completamente diferente da dos ocidentais. No tratamento concedido por Scorsese, ambos os lados erram, pecam, afastam-se de Deus diante de suas ações: por um lado, há o desprezo de Portugal pelas culturas locais na época das Grandes Navegações, que utilizaram a catequização como ferramenta de submissão; por outro, alguns japoneses escolheram essa como a religião que querem cultuar e se veem tolhidos por ameaças de morte. O dilema explicita que há distorções por toda a parte sobre os verdadeiros ensinamentos da religião.

silencio 1

O tema é trabalhado visualmente de maneira excepcional pelo diretor, prova de um apuramento artístico raro no cinema. Os planos são magistrais e caminham das grandes panorâmicas do começo – forma de mostrar a pequenez humana diante do Divino – até os closes do último ato, símbolos do encarceramento espiritual vindo da angústia do padre Rodrigues. Há, ainda, certos toques que enaltecem a ação dramática, como a névoa branca que acompanha os inquisidores em cena, sem contar a magistral reconstrução de época.

 

Outro grande destaque da produção é o nível de entrega de Andrew Garfield no papel principal. Visualmente mais magro, ele demonstra a complexidade de sensações experimentadas por seu personagem e expõe corporalmente o desespero que o aflige de forma bastante competente.

Mais lento e reflexivo do que os últimos trabalhos de Scorsese, “Silêncio” é um filme que incita questionamentos diante da explanação da jornada de dois padres. Visualmente majestoso, reitera o talento de Scorsese em conciliar sua visão autoral a grandes produções.

 

 

Ficha técnica silencio poster


Ano:
 2017

Duração: 144 min

Nacionalidade: EUA

Gênero: drama, história

Elenco: Andrew Garfield, Adam Driver, Liam Neeson

Diretor: Martin Scorsese

 

 

Trailer:

 

 

 

Imagens:

 

Avaliação do Filme

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