Por Luciana Ramos

Quando anunciado no line up da última edição do Festival de Sundance, “Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal” foi recebido com extrema desconfiança, visto que se tratava de uma obra sobre um dos mais impiedosos serial killers da história dos Estados Unidos. Os questionamentos estendiam-se além da relevância da obra, pontuando uma possível romantização de um homem responsável pela morte brutal de mais de trinta mulheres.

Ao assistir ao filme, percebe-se que a falta de entusiasmo é, de certa forma, justificada. Ainda que parta de uma ideia interessante, a produção se perde ao dissolver sua argumentação principal em outras subtramas – uma escolha quase irresistível dado o caráter apelativo em retratar o primeiro julgamento exibido pela televisão, por exemplo – mas que, unidas, minam a relevância da obra quase por completo.

Ao invés de detalhar alguns dos casos, o filme parte da captura de Bundy (Zac Efron) e se desenrola ao longo dos anos em que ele lutou pela absolvição. A sua prisão decorre da aparente simetria com um retrato falado e, por azar, da ultrapassagem de um cruzamento, acaso que ele usa como justificativa de que, na verdade, era uma vítima. Na época, ele morava com a noiva Liz Kendall (Lily Collins) e a pequena filha dela. Ao receber a notícia, a mulher mescla momentos de confiança absoluta na inocência dele a outros de pavor, onde questiona tanto o porquê de não ter sido morta quanto o de sua filha não ter sido.

É neste jogo que se desenvolve a trama, mesclando a dor dela e a resolução inabalável dele em continuar livre, seja pelo caminho que for, legal ou não. Usando o livro escrito por Kendall como fonte, o roteiro se propõe a dar voz ao conflito desta mulher, não só ao destrinchar os seus sentimentos, mas ao questionar a profundidade do relacionamento (deste ou de qualquer um), levantando suspeitas sobre o quão bem conhecemos, de fato, nossos parceiros – e o que são capazes de fazer.

Se realmente abraçasse o tema, o roteiro assumiria um tom hitchcockniano e exploraria meias-verdades, segredos obscuros e a espessa neblina de contradições escondida atrás da fachada feliz (como tão bem feito em obras variadas, como “Mad Men”, “Longe do Paraíso” e “Foi Apenas Um Sonho”), mas, covardemente, prefere investir na repetição melodramática do sofrimento de Liz e sua busca por cura no álcool, artifício empregado através de clichês.

O restante do tempo é ocupado por Bundy que, por meio da beleza e do charme canalha, convence muita gente da sua inocência, mesmo com substanciais provas ao contrário. Nisso, insere-se Carole Ann (Kaya Scodelario), antiga colega de trabalho que vira sua namorada durante o julgamento. Ainda que sua introdução na trama seja bastante artificial, ela serve para representar tanto a miopia confortável e burra de quem não aceita acreditar em evidências quanto o poder de persuasão dele; de fato, é a sua capacidade manipulatória o traço de caráter que mais o aproxima do perfil de um psicopata e, no jogo que ele estabelece com a imprensa, ela é peça fundamental.

As cenas passadas no tribunal são bastante interessantes por conseguirem explorar bem o circo midiático formado pelo caso, algo inédito na época, mas que, com a banalização da exibição de julgamentos na televisão, se tornaria comum nos EUA. Sabendo do potencial que tinha em mãos, Bundy abusa do recurso, dirigindo-se por vezes às câmeras para falar, sintoma narcísico tratado com certa impaciência pelo juiz (John Malkovich). Preenchendo o terceiro ato, esta subtrama é, sem dúvidas, a mais convidativa, mas sofre pela falta de maior investimento narrativo, relegando-se a um patamar aquém de “American Crime Story: The People Vs. O.J. Simpson”, minissérie que, ao se devotar totalmente para o tema, consegue explorá-lo com maior profundidade.

Flertando com diferentes ângulos de abordagem sem se comprometer com nenhum, “Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal” perde muito do seu apelo, tornando-se o tipo de filme que nos faz lembrar de outras obras melhores. O caráter derivativo é acentuado pelas interpretações medianas de Lily Collins e Zac Efron que, embora muito semelhante fisicamente, não consegue imprimir no rosto do serial killer a complexidade necessária ao papel, relegando-se a sorrisos e choros que, inadvertidamente, acabam por romantizar uma figura tão brutal.

Ficha Técnica

Ano: 2019

Duração: 110 min

Gênero: Biografia, Crime, Drama

Diretor: Joe Berlinger

Elenco: Lily Collins, Zac Efron, Angela Sarafyan, Sydney Vollmer, Jim Parsons, John Malkovich

Avaliação do Filme

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