Por Melissa Vassalli

Quando lançou o documentário “Visages, villages” (2017), Agnès Varda disse que este provavelmente seria seu último filme para o cinema. Com o avançar da idade, Varda projetava que no final de sua vida estaria mais envolvida com videoinstalações e exposições em museus e galerias de arte (além de cineasta, ela era também fotógrafa e artista plástica), o que considerava menos desgastante.

Mas a diretora realizaria ainda “Varda por Agnès”, que foi de fato seu filme derradeiro. O projeto teve início como uma palestra em vídeo, que ela pretendia enviar quando fosse solicitada para eventos, mas o que era para ser uma aula se transformou num documentário em que a diretora, que faleceu em março deste ano, relembrou sua trajetória artística.

Além de depoimentos da cineasta para plateias diversas, “Varda por Agnès” traz também cenas de seus filmes, dos bastidores, além do reencontro com antigos colegas, como a atriz Sandrine Bonnaire (“Os Renegados”) e, através disso, Varda expõe seu processo de criação e sua experiência ao longo de 64 anos de trabalho.

Considerada uma precursora da Nouvelle Vague, por antecipar em seus filmes questões estéticas do movimento, a obra de Varda não se resume apenas a isso. Tanto em suas ficções quanto nos documentários, ela sempre exercitou o olhar pelo outro. Seu cinema era político, com destaque sobretudo para questões feministas – importante dizer que mesmo hoje a participação feminina na indústria cinematográfica é inferior à masculina, e Varda conseguiu produzir numa época em que as oportunidades eram ainda mais restritas para as mulheres, deixando um legado inquestionável para a história do cinema.

“Varda por Agnès” é menos experimental que seus filmes anteriores, visto que privilegia um certo didatismo, porém não é menos poético que os demais – o que se revela em suas reflexões e subversões. Sabendo que essa seria sua despedida das telas, a diretora transfere os créditos para o começo e encerra sua carreira com uma cena etérea, num adeus singelo e delicado.

Tendo realizado projetos diferentes entre si, Varda elegeu três palavras que norteavam seu processo: inspiração (a razão pela qual se faz um filme, as ideias que te motivam a produzir), criação (o como se faz um filme, suas ferramentas e estruturas) e compartilhar (porque não se faz um filme para assisti-lo sozinho). E em seu último longa, compartilhar não é apenas exibir um filme para uma audiência. A diretora compartilha sua história, traduzida em filme, assim como seu conhecimento, seus erros, acertos e aprendizados. “Varda por Agnès” é uma autobiografia, mas é também um filme sobre o próprio cinema. Para aqueles que não a conheciam, sua obra final é uma apresentação e uma aula de cinematografia. Para os que conheciam, é a celebração de sua trajetória e uma despedida sublime.

Ficha Técnica

Ano: 2019

Duração: 115 min

Gênero: documentário

Diretor: Agnès Varda

Elenco: Agnès Varda

Avaliação do Filme

Veja Também:

Guerra Civil

Por Luciana Ramos   No fascinante e incômodo “Guerra Civil”, Alex Garland compõe uma distopia bastante palpável, delineada nos extremos...

LEIA MAIS

A Paixão Segundo G.H.

Por Luciana Ramos   Publicado em 1964, “A Paixão Segundo G.H.” foi há muito considerado um livro inadaptável, dado o...

LEIA MAIS

O Menino e a Garça

Por Luciana Ramos   Aos 83 anos, Hayao Miyazaki retorna da aposentadoria com um dos seus filmes mais pessoais. Resvalando...

LEIA MAIS