Por Melissa Vassalli

De uma paisagem bucólica, onde cavalos descansam e um caramujo rasteja lentamente, surgem dois homens andando de bicicleta. São os atrapalhados irmãos Pati (Claudio Giangreco) e Angiolino (Antonio Carluccio), que planejam assaltar um posto de gasolina. O transporte inusitado para a ocasião denota a inocência desses personagens, que acreditavam que com uma bicicleta poderiam fugir e se esconder facilmente em qualquer lugar.

O plano nonsense obviamente dá errado, pelo menos para Pati, que fica paralisado ao perceber que matou o cachorro responsável por proteger o local. Essa é a abertura do filme A Vida em Família, cuja história se passa em uma pequena cidade fictícia ao sul da Itália, conhecida como Disperata, que faz alusão à Depressa, província onde cresceu Edoardo Winspeare, diretor da obra.

Enquanto Angiolino consegue fugir, seu irmão vai para a prisão, onde cruza com o do prefeito Filippo Pisanelli (Gustavo Caputo) que, infeliz com a carreira política, encontra motivação nas aulas de literatura que ministra aos condenados. Pati, ainda se sentindo culpado pela morte do cão, descobre na poesia uma forma de externar seus sentimentos e opta por deixar o crime. Quando liberto, sua missão passa a ser convencer o irmão a fazer o mesmo.

Winspeare olha para esses personagens com empatia, pois os entende como homens comuns, que assim como tantos outros caem na criminalidade por falta de oportunidade de uma vida melhor – por isso são retratados de forma cômica. Ainda que às vezes caricatos, como é o caso de Angiolino, que apesar de criminoso é devoto ao Papa (e reza pedindo sua benção para os assaltos), o humor é utilizado como forma de humanizá-los e diferenciá-los dos verdadeiros vilões, aqueles políticos que só agem em benefício próprio, explorando a comunidade, e que são sempre representados com seriedade ocupando seus postos burocráticos. Isso também justifica o estado depressivo de Filipo, que como prefeito está inserido neste sistema, mas não compactua com o pensamento dominante.

Há, ao mesmo tempo, afeto e melancolia na forma como Edoardo Winspeare recria sua cidade. Disperata aparece como um lugar à parte ao mundo. Trocar o nome verdadeiro do pequeno município por um fictício ressalta isso. Este universo particular funciona bem como cenário para a realização desta fábula moral. Também é interessante observar como a noção de isolamento é construída a partir da própria geografia: ao redor da cidade há grandes campos e, em seu limite, um abismo que leva ao mar. É como se não fosse possível ir além.

O filme tem momentos mais lentos, o que não chega a ser um problema de ritmo, já que Disperata possui seu próprio tempo. As passagens introspectivas em meio às cenas engraçadas revelam os processos de amadurecimento dos personagens. E apesar de alguns deles serem parentes – conhecemos também a ex-mulher e o filho de Pati – família aqui tem um significado mais amplo, tanto que o título original, La Vita in Comune, se refere a isso, “a vida em comum”. A obra cativa pelo seu humor quase surreal, pelo tom poético e pela ingenuidade de seus protagonistas, mas o que se destaca, sobretudo, é otimismo de conceder redenção aos que agem pelo bem da maioria, seja através de sua fé, do amor ou da arte.

 

Pôster

 

Ficha Técnica

Ano: 2017

Duração: 110 min

Gênero: comédia

Direção: Edoardo Winspeare

Elenco: Claudio Giangreco, Gustavo Caputo, Antonio Carluccio, Celeste Casciaro

 

Trailer:

Imagens:

Avaliação do Filme

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