A crítica abaixo contém spoilers dos filmes “Corpo Fechado”, “Fragmentado” e “Vidro”.

Por Murillo Trevisan

“Há 35 páginas e 124 ilustrações em uma simples revista em quadrinhos. O preço da edição varia de $ 1,00 a mais de $ 140 mil. Vende-se mais de 172 mil gibis diariamente nos Estados Unidos. Mais de 62.780.000 a cada ano. Um colecionador tem em média 3.312 revistas e passará um ano inteiro de sua vida as lendo.”. As informações acima abriram nossa jornada, que teve início lá no ano 2000 quando M. Night Shyamalan (“O Sexto Sentido”) nos entregou o – na época – controverso “Corpo Fechado”. Os dados que pareciam inicialmente desconexos tomam forma a medida que vamos acompanhando David Dunn (Bruce Willis) descobrindo suas habilidades sobre-humanas, enquanto Elijah Price (Samuel L. Jackson) tenta convencê-lo de que ele é um super-herói, justamente em um mundo em que as histórias em quadrinhos podem ter tanta relevância.

Até então, era um filme fechado, com início, meio e fim, com Elijah se auto intitulando como “Sr. Vidro” e revelando-se o verdadeiro vilão da história. Dezesseis anos depois fomos surpreendidos com “Fragmentado” (2016), um thriller que apresenta um assassino em série (James McAvoy) com vinte e quatro personalidades diferentes, sendo uma delas “A Fera”, também com forças sobre-humanas. O maior trunfo do longa foi, em seus últimos minutos, revelar-se uma continuação de “Corpo Fechado” e principalmente um filme de “meio” na saga.

Agora em 2019, Shyamalan nos presenteia com o fechamento dessa trilogia. “Vidro” se passa algumas semanas após o desfecho de  filme anterior, com David Dunn – agora já assumido como “Vigilante” – à procura do Horda (McAvoy). Quando finalmente se encontram, são surpreendidos por uma força especial e levados à uma clínica onde ficam detidos. Lá, seguem um profundo tratamento com a Dra. Ellie Staple (Sarah Paulson), que tem como objetivo desacreditá-los e fazê-los compreender de que não são dotados de superpoderes, mas sim de problemas psiquiátricos.

A inserção dessa nova personagem, muito bem representada pela sempre excelente Sarah Paulson, deixa o espectador com o benefício da dúvida em crer se as demonstrações de nossos heróis eram autênticas ou se realmente eles sofrem de distúrbios os fazendo acreditar no impossível. Em paralelo, Joseph Dunn (Spencer Treat Clark) – filho de David que até então vinha o ajudando em suas missões, como um side-kick – corre atrás de informações que comprovem a extraordinariedade do pai.

Enquanto isso, Elijah – que também está sendo mantido na clínica – busca um modo de fugir e colocar o Vigilante e a Fera num embate direto, revelando ao mundo a existência deles. Como o próprio título já diz, essa terceira parte coloca o foco no Sr. Vidro, que se revela dotado de uma inteligência extrema e irá até o fim para concluir sua tarefa.

O longa tem um ritmo um pouco lento, pautando-se essencialmente na construção do roteiro através dos diálogos, por muitas vezes necessariamente expositivos. Porém, é esse compasso que faz funcionar a interação e evolução dos personagens, que chegam aqui ao seu ápice. Shyamalan também se coloca a prova na direção de elenco e consegue extrair o potencial dos atores com naturalidade, mesmo com um argumento que poderia soar caricato – com exceção ao terceiro ato, onde parece que as falas devem ser seguidas à risca e perde um pouco a organicidade.

A comparação às histórias em quadrinhos é toda hora colocada em pauta, seja na confabulação entre os indivíduos em cena, ou através de recursos técnicos. Podemos ver isso claramente na paleta de cores, que oscilam entre a predominância do roxo, amarelo e verde – as cores que representam os personagens. Já o enquadramento segue os princípios da palavra e “coloca em quadro” (ou quadrinhos) as ações em tela. Há uma breve cena onde os personagens secundários se encontram em um estacionamento e a câmera os captura da janela colocando um em cada quadrado de vidro, simbolizando as marcações dos gibis.

Sem dúvidas o maior trunfo do filme – assim como na filmografia completa de M. Night Shyamalan – são as plot twists. Primeiro ficamos sabendo que o Horda é indiretamente uma criação de Elijah que, ao explodir o trem onde David estava, acabou matando o pai de Kevin. Posteriormente há a revelação da Dra. Ellie de que faz parte de uma organização que tenta esconder as pessoas que demonstram super-habilidades, com o intuito de manter a ordem no mundo, evitando um caos. Por fim, o plano do Sr. Vidro é revelado, nos informando que aquela narrativa não se tratava de uma “Edição Limitada”, mas sim uma “História de Origem”, dando a sua vida em troca da revelação para o mundo que heróis existem e que todos tem o potencial de ser um.

Um encerramento com chave de ouro para uma trilogia, trazendo diversas camadas de discussões. Desde a jornada do herói em comparação a essa arte muito apreciada, mas ainda pouco conhecida dos quadrinhos, até em metáforas para a vida na busca de superação mesmo quando o outro lhe desacredita. “Vidro” tem sim seus problemas estruturais, mas é uma grata homenagem àqueles que dedicam boa parte de seu tempo à leitura de banda desenhada e aos fãs de “Corpo Fechado” e “Fragmentado”.

Ficha Técnica

Ano: 2019

Duração: 129 min

Gênero: Drama, Mistério. Sci-fi

Diretor: M. Night Shyamalan

Elenco: James McAvoy, Bruce Willis, Samuel L. Jackson, Anya Taylor-Joy, Sarah Paulson

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