Por Luciana Ramos

 

Embora “A Fantástica Fábrica de Chocolate” (1971) tenha desagradado – e muito – o autor do livro que a originou, o filme se tornou um grande clássico e permanece no imaginário popular mesmo tantos anos após o lançamento. A combinação de um mundo fantástico (e delicioso) com uma disputa um tanto sádica representa a identidade de Roald Dahl, um autor infantil sem medo de tocar nas profundezas da mesquinhez humana.

“Wonka”, adaptação que se propõe a contar sobre os anos de formação de Willy Wonka se distancia um pouco desta fórmula, atendo-se a um esquema mais maniqueísta e infantil. O protagonista troca o sadismo pela ingenuidade que acaba por lhe trair: por não saber ler, ele confia na palavra da Senhora Scrubitt (Olivia Colman) e assina um documento que o condena a viver em um porão trabalhando para ela de graça.

Lá, conhece Abacus (Jim Carter), Lottie (Rahkee Thakrar), Piper (Natasha Rothwell) e a jovem Noodle (Calah Lane), todos condenados ao mesmo destino cruel. Ao invés de esmorecer, Willy decide usar a magia, criatividade e audácia para traçar um plano que o faça ganhar renome vendendo chocolates, pagar as dívidas de todos e, enfim, lançar sua primeira loja na cidadezinha que escolheu para honrar o legado de sua mãe: ela fora uma grande confeiteira e o ensinou tudo sobre a arte do chocolate.

Esse senso de propósito guia a narrativa e ajuda a aprofundá-la, tornando as aventuras dele e seus amigos mais relevantes. Além da Senhora Scrubitt, Wonka ainda deve enfrentar o Cartel do Chocolate, composto por três homens pouco talentosos, mas corruptos que não medem esforços para deter a concorrência. Não obstante, o jovem é roubado de vez em quando por um homenzinho laranja (Hugh Grant) que possui interesses próprios.

Há uma delimitação clara na paleta de cores para marcar os universos: a realidade é sempre cinzenta, desbotada, assustadora, enquanto o chocolate representa o sonho, o lúdico e é, portanto, intensamente colorido. O ápice desse jogo é a cena em que Wonka faz brotar uma árvore mágica, pétalas comestíveis e todo o tipo de apresentação excêntrica para seus produtos. O esmero do design de produção é realmente impressionante, pois oferece um deslumbramento palatável ao investir em construções artesanais elaboradas, criando um encantamento que perdura após o término do filme.

Esse trabalho é fundamental para o funcionamento das passagens musicais, presentes de maneira abundante, mas nunca forçada. Nenhuma canção sozinha é brilhante a ponto de ser amplamente consumida de maneira independente, mas todas são muito bem-feitas e interpretadas com afinco pelo elenco. Essas sequências também dispõem de inúmeras pequenas elipses temporais, que auxiliam para tornar a trama mais dinâmica e comprovam o talento de Paul King em construir produtos coesos, bem estruturados, mas imensamente criativos.

É possível observar, inclusive, similaridades entre “Wonka” e seus trabalhos anteriores, “As Aventuras de Paddington” e “Paddington 2”. Os personagens são pessoas vindas de fora que contam com a ajuda de amigos para transpor dificuldades de adaptação e sobrevivência. As histórias, portanto, nutrem esse senso de comunidade como ferramenta essencial da experiência humana, além de apostar na bondade e no sonho como ingredientes narrativos.

É bem verdade que o seu novo filme prescinde – e muito – da entrega de Timothée Chalamet no papel do chocolatier. O seu esforço é, por vezes, palpável, mas ele sabe agregar uma qualidade adorável ao personagem que nos faz torcer por ele. Além disso, ele se mostra um competente dançarino e cantor, sabendo segurar bem as cenas musicadas. Obviamente, ele conta com um belíssimo elenco de apoio, composto por grandes nomes como Olivia Colman, Rowan Atkinson, Sally Hawkins e Jim Carter.

“Wonka” é criativo, encantador e leve, oferecendo um escape perfeito para os dias mais nublados. Ao contrário de tantas derivações de propriedades intelectuais que provocam arrepios com seus anúncios de continuações, o filme de Paul King é tão bom que nos faz torcer por uma revisita a este mundo mágico.

Ficha Técnica

Ano: 2023

Duração: 1h 56 m

Gênero: aventura, comédia, musical, fantasia

Direção: Paul King

Elenco: Timothée Chalamet, Olivia Colman, Hugh Grant, Jim Carter, Natasha Rothwell, Keegan-Michael Key, Sally Hawkins, Rowan Atkinson, Calah Lane

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