“Zama” é o novo filme da diretora Lucrecia Martel. Uma co-produção entre a Argentina e vários países, inclusive o Brasil, o longa é inspirado em livro homônimo de Antonio di Benedetto e conta a história de Don Diego de Zama (Daniel Giménez Cacho), um oficial da Coroa Espanhola nascido na América do Sul, que espera ser transferido do vilarejo em que se encontra para um lugar melhor.

Descrito no próprio filme como “um homem de direito”, “sem medo”, “um pacificador de índios”, ele é, na verdade, alguém preso na burocracia do sistema em que está inserido, que tenta encontrar qualquer traço de nobreza que dê sentido às suas ações – por isso o uso do termo pacificador, quando na verdade sabemos que os colonizadores subjugaram e dizimaram os povos indígenas.

O grande conflito apresentado no filme está ligado à questão identitária. Zama nasceu na América, mas descende dos espanhóis, não dos nativos. Não conhece nada do mundo onde almeja estar, embora tente reproduzir a cultura que acredita ser sua – por isso o uso de roupas tão pesadas, inapropriadas para o clima tropical. É impossível para o oficial sentir qualquer conexão com os índios e a cultura local. Percebemos isso em uma das cenas iniciais, quando o personagem observa um grupo de mulheres nuas, se banhando em lama: ele vê a cena de fora, com curiosidade e estranhamento, mas não com identificação. O nativo é sempre o outro.

Sendo um oficial da Coroa, Don Diego acredita que, cumprindo todas as tarefas que lhe são designadas, o rei concederá sua carta de transferência, mas esta nunca chega. Assim, o sentimento de inadequação é constante. Se por um lado ele quer desesperadamente sair de onde se encontra, por outro, o lugar que anseia e o Governo que ele serve o rejeitam: ele está preso no “entre”, uma sensação que pode ser comum aos povos latino-americanos, e que a diretora procura investigar.

Quando desiludido com a possibilidade de ser transferido, o protagonista junta-se a um grupo de soldados para perseguir um perigoso bandido da região. Vicunha Porto (Matheus Nachtergaele) é a personificação do mal e, novamente, do outro. Enquanto houver algo externo a ser combatido, ele não precisa olhar para o que há de ruim dentro de si, nem para as contradições que suas ações carregam. Esse momento marca uma virada na história, onde a natureza domina a tela e se mostra, apesar de bela, muito opressora. Numa paisagem onde o perigo é iminente, Don Diego fica cada vez mais exposto e vulnerável.

O clima geral do filme é de espera e permanência. A diretora dilata o tempo com planos estáticos, explora o cotidiano local e cria a expectativa por um grande evento que nunca acontece. Essas decisões, embora dificultem a nossa conexão com a história e o personagem, são propositais. A rigidez do longa, seu ritmo lento, suas cores fortes, porém dessaturadas, nos colocam a par do desencanto do protagonista com sua própria trajetória. Zama é ora opressor, ora oprimido, e o exercício de nos colocarmos em seu lugar é difícil, mas pode revelar muito sobre as idiossincrasias da colonização do nosso continente.

 

Pôster

 

 

 

Ficha Técnica

Ano: 2017

Duração: 115 min

Gênero: Drama

Diretor: Lucrecia Martel

Elenco:  Daniel Giménez Cacho, Lola Dueñas, Matheus Nachtergaele

Trailer:

 

 

Imagens:

 

Avaliação do Filme

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