Por Luciana Ramos
Em visita a um museu, um quadro de 1779 chamou a atenção da diretora Amma Asante. Tratava-se de duas jovens vestidas em roupas nobres, segurando flores, sendo uma delas branca e a outra negra. Considerando que as pessoas de descendência africana eram somente retratadas como escravas em pinturas, Asante foi atiçada pela curiosidade.
Descobriu, por meio de pesquisa, que a obra retratava as nobres Lady Elizabeth Murray e sua prima, Dido Elizabeth Belle Lindsay, filha de um oficial da Marinha Britânica com uma escrava. Quanto mais contrapunha os registros históricos dessa mulher com as regras sociais da Inglaterra do século XVIII, mais contradições surgiam: Dido tinha uma vida de luxo mas a distinção à sua cor da pele era feita incessantemente.
Decidiu então retratar ficcionalmente a vida dessa figura histórica em “Belle”, que aborda a peculiaridade da sua posição social e as diferentes formas de racismo a que era submetida.
A estória começa com o seu pai (Mathew Goode) levando-a ainda criança para viver sob os cuidados de seu tio, Lorde Mansfield (Tom Wilkinson), presidente da Suprema Corte, após o falecimento de sua mãe. Com relutância, é recebida pela família e passa a ser educada com todas as regalias que uma nobre tem direito.
Aos poucos, é acolhida como filha, criada aparentemente sem distinção da sua prima Lady Elizabeth (Sarah Gadon). A precoce morte do seu pai a tornou extremamente rica, pondo-a em uma situação social extremamente favorável. Porém, um olhar mais aprofundado mostrava que o ambiente familiar, ainda que cordial, carregava o ranço do racismo da época: Dido (Gugu Mbatha-Raw) era livre para transitar em todos os ambientes da casa, aprendeu a ler, tocar piano e bordar. No entanto, sua posição social, inferior a dos seus familiares e superior a dos criados, a impedia de jantar com sua família ou ir a eventos da sociedade londrina.
O amadurecimento emocional e psicológico trouxeram a compreensão da peculiaridade da sua situação, o que provocou inesgotáveis fontes de sofrimento, dado o seu absoluto isolamento. O conflito existencial agrava-se quando seu tio, maior jurista do país, é convocado para deliberar um processo envolvendo uma companhia de seguros que propositalmente naufragou uma embarcação repleta de escravos.
O fato de essas vítimas serem classificadas como “mercadoria” faz Dido refletir sobre as regras vigentes e questionar por mudanças. Ao seu lado, conta com o jovem estudante de direito John Davinier (Sam Reid), que conhece limitações similares por não pertencer à nobreza. O frescor da sua idade aliado a um bom dote a faz chamar também a atenção de outro cavalheiro, Oliver Ashford (James Norton), nobre sem posses, que a corteja.
Tecido como um romance de época, a trama de “Belle” foca no triangulo amoroso formado por Dido, Davivier e Ashford. Dessa forma, é um filme leve como outros do gênero, recheado de desapontamentos amorosos e cenas de cortejo.
A questão do racismo emerge através das experiências cotidianas da protagonista e nisso reside a sua força. Sutilmente, são propostos ao longo da trama pequenos embates entre as regras de etiqueta social vigentes na época e a figura de Dido já que, muitas vezes, a sua simples presença é fonte de embaraço para outros nobres.
Algumas cenas bem pontuais exemplificam esse argumento: em uma, Dido observa com absoluta vergonha uma criada negra a servir; em outra, questiona o fato de ter de se retirar dos aposentos da família ao anúncio de uma visita.
A partir do segundo ato, quando entra em contato direto com o sofrimento experimentado pelos escravos, a protagonista passa a ter uma voz mais ativa e bater diretamente com as limitações à que foi imposta, demandando por mudanças em uma época em que ser mulher e negra implicavam na submissão absoluta ao cenário vigente.
Por meio dessas construções narrativas, Asante tece um filme que combina a leveza do romance com a gradual, porém contundente exposição do racismo da sociedade inglesa do século XVIII. Não obstante, revela ao público uma figura histórica que foi, ao seu modo, determinante no futuro do país, a jovem nobre Lady Dido Elizabeth Belle Lindsay.
Ano: 2013
Duração: 104 min
Nacionalidade: Inglaterra
Gênero: romance, drama
Elenco: Gugu Mbatha-Raw, Mathew Goode, Emily Watson, Tom Wilkinson
Diretor: Amma Asante
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