Por Luciana Ramos

 

Jenna Hunterson (Keri Russell) é jovem, bonita, criativa e possui um senso culinário aguçado, que a leva a criar receitas de tortas espontaneamente, dom que herdou da sua falecida mãe. Ela, no entanto, sente-se presa em uma vida miserável ao lado de um marido ciumento e violento que controla seus horários e seu dinheiro, além de ter o péssimo hábito de buzinar até seus ouvidos doerem.

Sua válvula de escape é o trabalho como garçonete, onde sente-se apoiada e valorizada pelas colegas Becky (Cheryl Hines) e Dawn (Adrienne Shelly) e pelo dono do local, o velho Joe (Andy Griffith), que vive estimulando-a a fugir. Não é que Jenna não sinta esse impulso – pelo contrário, ela vive planejando deixar Earl (Jeremy Sisto) enquanto assa tortas pouco usuais com títulos como “eu odeio o meu marido” – mas a sua situação financeira lhe tolhe de qualquer possibilidade de recomeço.

É nesse cenário desanimador que a protagonista de “Garçonete” descobre estar grávida e, diante da frustração, interpreta o feto como uma corrente que a puxa mais para baixo. Sem grandes conexões com seu bebê, ela decide tê-lo e criá-lo, mas deixa clara a falta de entusiasmo. Ainda assim, vê nas consultas pré-natais a chance de uma pequena fagulha de alegria: o caso com seu obstetra, que insiste em chamar de Dr. Pomatter (Nathan Fillon).

A trama desenrola-se em torno de sua experiência ao longo dos nove meses, cercados por incertezas, sonhos…e tortas. Detalhando apenas o suficiente para caracterizar a toxicidade de seu casamento, o roteiro exime-se quase por completo (com exceção de uma cena) de mostrar violências gráficas, optando por permanecer no campo dos feel good movies. Mais interessado na resiliência e aptidão de Jenna para a felicidade, mesmo afundada em condições adversas, o filme se entrega às suas percepções, que preenchem sua jornada através da narração em off.

As cenas com as criativas receitas, por sua vez, não utilizam com profundidade os cinco sentidos despertados pela comida (ao contrário de “Chocolate” e “A 100 Passos de um Sonho”, por exemplo), pautando as criações culinárias como expressões mentais da protagonista, o modo como ela interpreta e processa os eventos ao seu redor.

O mergulho na psique de Jenna só é possível por causa do talento de Keri Russell, que está excelente no papel. Usando seu rosto como meio de expressão principal (muito bem explorado por inúmeros closes), ela pontua os sentimentos da sua personagem de maneira sutil, sem nunca perder a doçura que a caracteriza.

Leve e bem escrito, o filme ainda se dispõe a explorar superficialmente subtramas envolvendo os personagens mais próximos à garçonete, dando-lhes embasamento. Em contraponto, não se nota uma preocupação com grandes contextualizações, como um panorama mais realista do relacionamento entre Jenna e Earl, escolha que impede a obra de ser mais relevante enquanto panorama social. Ademais, há algumas inserções estéticas e narrativas que parecem descasadas do restante do material, como o casamento na lanchonete, e representam oscilações na roupagem do filme, ora conservador, ora abertamente “estranho”.

No cerne, porém, há uma história adorável e muito bem contada, um grande demonstrativo do talento da escritora e diretora Adrienne Shelly, que infelizmente foi brutalmente assassinada antes do lançamento do filme. No entanto, o seu legado permanece, visto que o filme foi adaptado para a Broadway e virou um musical de imenso sucesso.

Ficha Técnica

Ano: 2007

Duração: 108 min

Gênero: comédia, drama, romance

Direção: Adrienne Shelly

Elenco: Keri Russell, Nathan Fillon, Adrienne Shelly, Cheryl Hines, Jeremy Sisto, Andy Griffith

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