Por Felipe Galeno
Um empresário indiano (Adarsh Gourav), sob vestes elegantes e diante da iluminação quase neon de seu escritório, assiste a uma reportagem sobre a visita do primeiro-ministro chinês à Índia. Em seguida, decide enviar um e-mail propondo uma reunião com o político em que conta sua história de vida, uma forma de expor seu ponto de vista sobre a estrutura estatal degradante que vigora na sociedade indiana. Estes são os primeiros minutos de “O Tigre Branco”, a adaptação do best-seller homônimo de Aravind Adiga que, logo de cara, já promete ao espectador uma sátira social ácida e incisiva. É uma pena, porém, que o resultado final seja tão desapontador.
Balram nem sempre teve a vida próspera que vemos nesse primeiro contato. Sua origem humilde é a primeira parte da história que ele compartilha com o primeiro-ministro e com quem assiste, através do recurso da narração em voice-over. Quando criança, ele teve seus estudos interrompidos por conta da necessidade de trabalhar para ajudar sua família, que, assim como boa parte da região, precisa pagar um injusto débito ao senhorio do distrito, apelidado “Cegonha”.
Apesar de parecer, na teoria, uma parábola fiel à experiência compartilhada em regiões de miséria, a execução dessa passagem já começa a apontar para uma visão caricatural que atrapalha bastante a produção. É até curioso um filme que se enuncia (inclusive diretamente) como uma visão “não-idealizada” da desigualdade submeter seus coadjuvantes mais pobres a uma abordagem estereotipada e filmar as áreas de carestia sobre aquele mesmo filtro amarelado que Hollywood estabeleceu como a estética clichê do “terceiro mundo”.
Anos mais tarde, o protagonista inicia a sua jornada de escalada social trabalhando como motorista de Ashok (Rajkummar Rao), o filho mais novo do temido “Cegonha”. É no contato com a abastada família do chefe que o jovem compreende como funcionam as dinâmicas de poder entre pobres e ricos no país e acaba entrando em um constante jogo com essas estruturas, às vezes tentando manipulá-las a seu favor, outras sendo vítima de suas humilhações.
O estabelecimento dessa tensão entre classes gera um potencial enorme para o comentário social que o filme planeja fazer e, em passagens pontuais, são colocadas boas observações. Na maior parte do tempo, esse relacionamento patrões-funcionários, marcadamente complexo e retratado de maneira tão inventiva em outros dramas recentes (como os ótimos “Parasita” e “Que Horas Ela Volta”), não é aproveitado em toda sua potência e termina encaminhado em direções óbvias e que, no fundo, tem bem pouco a dizer.
Esse problema de superficialidade acaba agravado pela tentativa do diretor e roteirista Ramin Bahrani de preencher a lacuna narrativa com algumas escolhas estilísticas que façam o filme se parecer mais inteligente do que, de fato, é. A ironia vaga, o uso exaustivo da narração, a tentativa de um ritmo “scorseseano” que nunca perde a cadência, os suntuosos planos abertos de espaços sofisticados que não comunicam nada sobre o que filmam; são muitas as decisões formais que o longa toma como forma de estabelecer uma pose que mantém até os últimos minutos. É como se o diretor olhasse para as problemáticas de sua produção e tentasse, ao invés de resolvê-las, as empurrasse para debaixo do tapete.
Todo esse contexto dificulta a missão de Adarsh Gourav, que já teria um trabalho complicado na pele de um protagonista que está quase o tempo inteiro em cena. Apesar de lhe faltar coragem para ultrapassar as limitações que o material lhe impõe, ele é competente o bastante para seguir tentando fazer o melhor trabalho possível com o que tem em mãos. Em contrapartida, seu parceiro de cena, Rajkummar Rao, que interpreta o chefe de Balram, parece completamente acomodado com a performance unidimensional e repetitiva que entrega. Fechando o elenco principal, a estrela Priyanka Chopra tem relativamente pouco tempo de tela e, mesmo assim, insere uma bem-vinda dose de sutileza à sua participação.
Enfim, a conclusão de “O Tigre Branco”, que chega depois de uma muito adiada reviravolta, tenta fechar o longa em tom de grandioso que supostamente está lá para nos fazer sentir que há algo realmente de impacto no que assistimos, mas não são necessários muitos minutos pós-sessão para percebermos que a produção tem bem menos a oferecer do que sugere. Se há temáticas relevantes e profundas aqui, elas surgem como mero esboço, de forma simplificada e rasa demais para justificar a narrativa. Para cativar mesmo com essas dificuldades, o filme teria que, pelo menos, admitir seus entraves e não tentar se vender através de uma aparência vazia como faz.
Ficha Técnica
Ano: 2021
Duração: 125 min
Gênero: policial, drama
Direção: Ramin Bahrani
Elenco: Adarsh Gourav, Rajkummar Rao, Priyanka Chopra