Por Luciana Ramos

 

Criado por um homem, o concurso Miss Mundo foi elaborado para julgar e ranquear as representantes de diversos países de acordo com seus atributos físicos – com avaliação de suas medidas em maiôs – e comportamentais, sendo estes concernentes a questões como “graça” e “carisma”. O inegável teor sexista de avaliação levou à perda de sua influência cultural com o passar das décadas mas, nos anos 70, ele ainda era estimado como um dos grandes produtos de entretenimento do mundo.

Grupos que lutavam pelo feminismo estavam atentos ao fenômeno, embora o considerassem “pequeno” para algo maior que uma nota de repúdio, mas a estudante Sally Alexander (Keira Knightley) compreendeu o seu real poder de influência ao ver sua própria filha brincar de Miss Mundo na sala de casa. Por isso, propôs um protesto pacífico durante a transmissão ao vivo da final e foi encarada com certo deboche pela parcela anti-establishment do Frente de Libertação Feminina, que se limitava a ações espaçadas de contravenção muito pouco eficientes.

Após uma aparição na televisão britânica, Sally convence as demais à ação, mas propõe algo ousado: juntamente aos comuns protestos nas entradas do Royal Albert Hall, uma turma de mulheres se disfarçaria e, no momento certo, atrapalharia o andamento do concurso e, assim, difundiria os ideais da causa feminista.

“Mulheres ao Poder” inspira-se no episódio real que chocou os britânicos há mais de cinquenta anos, atendo boa parte da sua trama nos planejamentos do ataque anárquico e, em menor escala, na contraposição de interpretações acerca do modo mais eficiente de lutar contra o patriarcado.

O roteiro não se exime, no entanto, de oferecer uma esparsa contextualização do Miss Mundo, voltando-se mais para o casal que o criou, Eric (Rhys Ifans) e Julia Morley (Keeley Haws), o envolvimento do ator e apresentador Bob Hope (Greg Kinnear) no imbróglio, visto que ele era o convidado especial da edição e, de maneira mais enfática, a multiplicidade de percepções das próprias misses sobre suas profissões.

Se por um lado há o entusiasmo vazio da Miss EUA (Suki Waterhouse), de outro tem-se o desprezo pela instituição por parte da Miss Suécia (Clara Rosager), que se condena por participar de tamanha encenação, mas a vê como a melhor porta de entrada para uma vida estudantil. O mesmo senso de oportunidade é partilhado pela Miss Granada, Jennifer Hosten (Gugu Mbatha-Raw), primeira representante do país escolhida para a final. Ela abraça sem contestações os julgamentos pela sua beleza e peso pois vê o concurso como oportunidade do seu lançamento em uma frutífera carreira na radiodifusão.

Gradualmente, os seus sonhos são substituídos por dúvidas acerca da validade do evento, visto que percebe a nítida diferenciação midiática entre candidatas brancas e negras, acentuadas por suas conversas com a Miss Sul África (Loreece Harrison), escolhida para sufocar as críticas de racismo e, portanto, um símbolo de conserto apenas cosmético. As interações entre as duas personagens conseguem expor melhor ao público camadas mais complexas de compreensão sobre o concurso, que era depreciativo e reducionista em sua essência, mas, ainda assim, para ela e tantas outras moças sem oportunidades, representava uma possiblidade de saída das restrições sociais – mesmo que, no caso da candidata negra da África do Sul, sua alegria escapista fosse apenas momentânea.

Embora trabalhe com diversas linhas argumentativas, o longa de Phillipa Lowthorpe perde o seu impacto por não saber dosá-las, concedendo a pontos de vistas superficiais o mesmo peso das ideias que sustentam o feminismo e, portanto, o tema do filme. Ademais, a falta de foco transparece pela expansão excessiva das subtramas, condensadas em pequenas situações que pouco oferecem para a construção de um panorama tão complexo quanto desejado.

Em contraponto, há um belo elenco – composto por Keira Knightley, Jessie Buckley, Greg Kinnear, Rhys Ifans e Leslye Manville – que é capaz de expandir os limites encaixotados do roteiro e conceder caracterizações críveis aos seus personagens. Sofrendo com a repetição e a ausência completa de humor (que combinaria perfeitamente com o teor anárquico do plano central), “Mulheres ao Poder” expõe o seu melhor quando revela nas tradicionais cenas pós-créditos os destinos das mulheres que inspiraram o longa, belos exemplos de superações e conquistas, representantes da longa luta pelo fim do patriarcado.   

Ficha Técnica

Ano: 2020

Duração: 106 min

Gênero: drama, biografia

Direção: Phillipa Lowthorpe

Elenco: Keira Knightley, Greg Kinnear, Gugu Mbatha-Raw, Leslye Manville, Loreece Harrison, Jessie Buckley

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