Por Luciana Ramos

A Diretora Valérie Donzelli decidiu fazer uma homenagem à Paris, cidade onde nasceu e foi criada, por meio de uma narrativa que abarca o tom lúdico de muitas comédias francesas com o alarmismo que assola o mundo nos últimos anos. Sua motivação provém exatamente do medo instalado na cidade após os ataques de 2015, uma sensação que se expande com o acúmulo de outros problemas graves, como o aquecimento global.

Toda vez que sai de sua casa, Maud Crayon (Donzelli) não só tem que lidar com calamidades climáticas como também com uma nova “síndrome” que assola Paris, a agressividade gratuita. Desviando de tapas sem explicações, ela concilia o trabalho como arquiteta (em um escritório que não a valoriza) e o cuidado com os dois filhos, além das intrusões constantes do ex-marido, (Thomas Scimeca) que considera o seu sofá uma espécie de segunda casa.

Sempre em movimento, ela não consegue atentar o olhar para a cidade que a cerca ou pensar com calma em decisões importantes, seguindo em uma espiral atabalhoada até que um evento místico conduz uma maquete sua ao departamento da prefeitura que, naquele momento, julgava possíveis candidatos para uma reforma no pátio da Notre Dame.

Seu projeto ganha e, mesmo sem entender ou tempo para explicar, ela vê seu nome divulgado, seu chefe sanguessuga (Samir Guesmi) aproveitando a ocasião para se promover e seu projeto sendo interferido por uma equipe de especialistas. No processo, reencontra um amor do passado, Bacchus Rennard (Pierre Deladonchamps), que cobrirá as etapas de criação para a imprensa, e descobre estar grávida do ex.  Diante de tantas mudanças, Maud opta por seguir em frente, mas as inevitáveis colisões no percurso forçam-na a refletir sobre sua vida e, no meio tempo, a admirar a arquitetura da cidade que habita.

“Notre Dame” insere conflitos na sua trama com o intuito de opô-los à poesia de redescoberta da vida em seus mínimos detalhes. Infelizmente, perde facilmente seu fio narrativo, revelando logo no primeiro ato uma série de inconsistências que interferem profundamente na sua apreciação.

O tom apocalíptico do começo, já pontuado, é um dos fatores apresentado apenas como um comentário, sem demais utilidades. Ao longo dos atos, várias ideias conflitantes parecem brotar, como o tom do teatro filmado da sequência do Airbnb (por si só já descolada de nexo causal); o aspecto sobrenatural, pontuado para dar um pontapé na narrativa, ou mesmo o contraste entre sequências excessivamente cômicas e outras, muito voltadas para o romance – sem o devido equilíbrio entre as duas esferas.

Embora individualmente interessantes e bem filmadas, as diferentes vertentes estéticas parecem aglutinadas de maneira aleatória, seguindo em uma trajetória sem nexo rumo a um final insatisfatório. Perdem-se, no caminho, boas oportunidades de se fazer jus a um monumento tão importante para a França como a Notre Dame – Donzelli esquiva-se de tecer qualquer reflexão cultural – um fato ainda mais lastimável quando se pondera o incêndio que quase a dizimou por completo.

Ficha Técnica

Ano: 2019

Duração: 88 min

Gênero: comédia, romance

Direção: Valérie Donzelli

Elenco: Valérie Donzelli, Thomas Scimeca, Pierre Deladonchamps, Bouli Lanners

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