Por Luciana Ramos
Aos olhos dos outros, a vida de Annie (Rose Byrne) encontra-se plenamente nos eixos. Ela tem um relacionamento estável, um bom emprego e passa seus dias em uma tranquila cidadezinha do interior da Inglaterra. Internamente, luta com a ideia de que desperdiçou os últimos quinze anos, já que trocou o sonho de trabalhar em uma galeria pela função de coordenadora de um pequeno museu (cargo herdado do pai) e, ademais, não se sente bem resolvida com o seu relacionamento amoroso.
Duncan (Chris O’Dowd) é a causa de sua maior frustração: ela crê que ainda o ama, mas que o romance há muito estagnou, muito em decorrência da obsessão dele por Tucker Crowe. Duncan passa os dias ouvindo repetidas vezes o único CD do cantor folk, gravado antes de este desaparecer do cenário musical. Ele se realiza destilando teorias sobre os mínimos detalhes de cada canção no blog que mantém em sua homenagem, além de alimentar teorias de conspiração sobre possíveis paradeiros do seu ídolo.
Ao receber a rara versão demo de “Juliet”, o rapaz se enche de entusiasmo por crer ser um privilegiado; já Annie, acha apenas que se tratam de versões inacabadas e ruins de músicas datadas. Ao expressar suas opiniões no site do namorado (e, assim, arranjar briga com ele), ela recebe o apoio de ninguém menos que…Tucker Crowe.
Ao contrário do que todos dos seus duzentos e poucos fãs especulam, ele não vive em uma fazenda criando porcos, e sim na garagem da casa de uma ex-namorada, onde ajuda a criar o filho que teve com ela, Jackson (Azhy Robertson). Tucker contenta-se em sobreviver sem luxos (meio de favor) com os resquícios de suas gravações e parece totalmente dedicado à criação do garoto. Porém, o aparecimento de Lizzie (Ayoola Smart), outra filha sua, revela mais sobre o seu caótico passado.
Paulatinamente, ele vai contando as confusas relações românticas que marcaram sua vida em e-mails enviados à Annie, compartilhando sem filtros suas angústias, arrependimentos e tentativas de reestabelecer conexões. Ela, por sua vez, age da mesma forma, falando da irmã (Lily Brazier), do peso que carrega em ser responsável e certinha – algo que pavimentou uma vida sem grandes emoções – e a vontade secreta de ter um filho.
A intimidade criada entre os dois, em contraponto ao desmoronamento do relacionamento entre Annie e Duncan, os leva a marcar um encontro, uma construção narrativa esperada. Porém, “Juliet, Nua e Crua” não é uma comédia romântica padrão.
Ela refuta o abuso dos recursos cômicos (que só aparecem claramente em duas sequências), optando pelo mergulho no psicológico dos seus personagens. O encontro de Annie e Tucker vai além da ideia simples de satisfazer aspirações românticas de ambos; ela expõe as frustrações que estavam guardadas ao fundo e, assim, instigam os dois a clamarem por mudanças em suas vidas, a saírem das suas posições apáticas para se tornarem pessoas pelo menos mais próximas do que almejam.
O roteiro demonstra, com isso, um nível de amadurecimento maior do que o esperado. Ele deriva-se do livro homônimo de Nick Hornby e carrega algumas das principais características do autor, como a predileção pela construção de personagens falhos e inseguros, que enxergam a visão através de um olhar cínico.
O longa, dirigido por Jesse Peretz, frustra em determinados momentos as expectativas dos fãs do gênero, como na hilária passagem que marca o primeiro encontro entre a protagonista e o cantor, mas proporciona imensa satisfação pelo modo astuto com que explora os relacionamentos entre Annie, Duncan e Tucker. É importante salientar que, embora toque em questões relevantes, “Juliet, Nua e Crua” é um filme bastante leve e engraçado, sendo o humor menos pautado na inserção de passagens absurdas ou personagens que atuam como alívios cômicos, mas sim na própria inadequação do trio principal.
No centro, estão três atores de extremo talento, que trabalham em harmonia. Rose Byrne oferece a Annie uma empatia imediata, fazendo o público torcer pela sua felicidade. Já Chris O’Dowd está ótimo como o seu contraponto obcecado, egoísta e um tanto patético, ainda que possua boas intenções. Suas melhores cenas são as que partilha com Ethan Hawke, as quais pontua com um misto de incredulidade, ciúmes e adoração infantil. Hawke, por sua vez, confere humanidade a Tucker, um homem que errou muito no passado e agora se encontra sem saber como agir para corrigir.
Saindo um pouco do molde das comédias românticas – sem quebrá-lo completamente – “Juliet, Nua e Crua” é uma grata surpresa. Um filme que entretém com inteligência e humor sutil; um produto cinematográfico raro no panorama atual, dividido entre blockbusters e pequenos filmes independentes.
Pôster
Ficha Técnica
Ano: 2018
Duração: 97 min
Gênero: comédia, romance
Direção: Jesse Peretz
Elenco: Ethan Hawke, Rose Byrne, Chris O’Dowd, Ayoola Smart, Azhy Robertson, Lily Brazier
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