Por Melissa Vassalli
O western é conhecido como o gênero cinematográfico norte-americano por excelência. Isso porque, além de ter surgido e se desenvolvido nos Estados Unidos, retrata o imaginário que o país tem a respeito de sua própria colonização, o que envolve a conquista do oeste. Esse processo histórico foi marcado por alguns fatores específicos, como a crença no Destino Manifesto, um ideal que os colonizadores trouxeram consigo quando atravessaram o Atlântico: eles eram os escolhidos por Deus para civilizar o Novo Mundo, devendo, assim, se espalhar pelo continente.
Um dos primeiros gêneros narrativos do cinema, ele se apropriou desse passado mitológico, evidenciando justamente o que consideravam ser a luta da civilização contra a barbárie, representadas, respectivamente, pelos colonizadores brancos e pelos nativos indígenas.
Com personagens e ambientes bem delimitados, como o herói solitário, a donzela em perigo, o xerife local, os bandidos, a natureza ainda não desbravada e as pequenas cidades que começavam a se formar, o western faz parte da iconografia americana e é constantemente relembrado pelos realizadores, como é o caso dos irmãos Coen, que recentemente lançaram pela Netflix o filme A balada de Buster Scruggs, um faroeste sobre foras da lei e colonizadores que passa de situações reflexivas para as mais absurdas, quebrando nossas expectativas diversas vezes.
O longa é dividido em seis partes, derivadas de um livro de contos. A primeira delas é a que nomeia o filme, e nos apresenta Buster Scruggs (Tim Blake Nelson), um pistoleiro inesperadamente alegre e cantante que protagoniza uma sequência repleta de violência.
A segunda passagem, Perto de Algodones, ainda numa linha cômica, traz um assaltante (James Franco) surpreendido pela perspicácia do caixa de um banco. Em Vale Refeição, o terceiro conto, temos um melancólico artista sem braços e sem pernas (Harry Melling) e seu empresário (Liam Neeson) procurando uma forma de sobreviver num ambiente desolador.
Há ainda Cânion do ouro, em que um velho garimpeiro (Tom Waits) percorre o sonho de encontrar o metal precioso; A garota nervosa, conto em que uma jovem inocente a procura de um marido (Zoe Kazan) se vê sozinha em meio a uma caravana, após a morte de seu irmão; e Restos Mortais, onde cinco viajantes interagem dentro de uma diligência.
Ainda que as histórias não tenham conexão entre si, todos os personagens precisam lidar com a iminência da morte, que se aproxima ora de forma cômica, ora de forma mais dramática. É difícil fazer com que todos os segmentos mantenham a mesma importância e qualidade numa antologia, e isso pode ser verificado em A balada de Buster Scruggs, onde alguns episódios são melhor desenvolvidos e se sobressaem aos outros.
Destacamos aqui Cânion do ouro e A garota nervosa como algumas das melhores passagens, a primeira por mostrar a interferência do homem na natureza e, de uma maneira concisa, colocar a civilização como elemento ameaçador, e não o contrário. Já a segunda é interessante por se aprofundar nas inseguranças de uma mulher que procura sempre a proteção dos homens que estão a sua volta, evidenciando a cultura machista da época, mas trazendo a ironia de que nenhum deles pode de fato protegê-la.
Apesar da irregularidade entre os contos, há coesão no universo criado pelos Coen para desenvolver as diversas narrativas. Neste velho oeste particular estão os elementos reconhecíveis do gênero , como as paisagens retratadas em exuberantes planos abertos e os duelos na rua principal das cidades, mas os personagens nunca cumprem o que estavam designados a ser. O herói não é tão heróico, nem o bandido tão implacável. Os diretores subvertem a ideia de Destino Manifesto, crença fundadora do gênero, rindo dos personagens, pois não há destino que resista diante da força incontrolável do acaso.
Pôster
Ficha Técnica
Ano: 2018
Duração: 133 min
Gênero: western, comédia
Diretor: Joel e Ethan Coen
Elenco: Tim Blake Nelson,James Franco, Harry Melling, Liam Neeson, Tom Waits, Zoe Kazan
Trailer:
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