Por Luciana Ramos

 

“GLOW” é um produto direto do apelo nostálgico dos anos 80, que já havia rendido bons resultados para a Netflix com o sucesso repentino de “Stranger Things”. Propondo um olhar feminino sobre os programas de luta livre – tão em voga na época, que produziram estrelas como Hulk Hogan – a série criada por Liz Flahive e Carly Mensch mescla os elementos cômicos envolvendo este tipo de produção aos dramas pessoais dos seus participantes.

O olhar dominante, que guia o espectador, é o de Ruth (Allison Brie), uma atriz tão fracassada que não tem alternativa a não ser pedir dinheiro a seus pais para que possa comer. Devotada, ela olha qualquer teste de elenco como a oportunidade de demonstrar sua amplitude artística, apenas para se decepcionar ao descobrir que havia sido chamada para papéis inexpressivos.

Sua resiliência, irritante para os demais, a leva a experimentar um novo tipo de audição, que logo descobre ser para um programa de luta-livre feminina. Junto a outras atrizes e atletas, ela treina para convencer o diretor Sam Sylvia (Marc Maron) do seu potencial. Este, por sua vez, atende as constantes solicitações e dúvidas com o ar rabugento de alguém que já concebeu filmes autorais e, na pindaíba, tem que se curvar às vontades do produtor Sebastian Bash (Chris Lowell) na construção de um produto cultural no qual ele não acredita.

 

 

A série cativa desde o começo, misturando o apelo da reconstrução de época muito bem-feita – com destaque para os figurinos e direção de arte – à leveza narrativa que a configura no patamar das obras feel good. Afim de conceber certa substância ao roteiro, investe-se no embate emocional causado por uma traição entre as ex-amigas Ruth e Debbie (Betty Gilpin).

Sem fornecer o mesmo espaço de tela para as demais lutadoras, a primeira temporada as desenvolve o suficiente para tornarem-se familiares aos olhos do público, mas se abstém de trabalhar mais profundamente suas motivações e questionamentos. De fato, uma característica da série nos seus primeiros dez episódios é a apresentação e conclusão de conflitos nos trinta minutos de duração, o que funciona de modo geral mas impede a série de tornar-se mais relevante.

No entanto, esse delineamento narrativo sofreu uma brusca mudança na nova temporada, apresentada recentemente pelo canal de streaming. Sem a pressão comum ao início de qualquer produção televisiva, “GLOW” abraça sua estética e, ao mesmo tempo, oferece espaço para que cada lutadora (e os homens que convivem com elas) revele sua complexidade. As Gorgeous Ladies of Wrestling (Gloriosas Damas de Luta-Livre), unidas, demonstram uma sororidade há muito devida em obras do tipo, que insistem em colocar mulheres sempre em ambiente de disputa. Amigas, elas se apoiam e se procuram em momentos de maior dificuldade. Ao investir na convivência dentro e fora do ringue, a produção também acerta ao estender a comédia, antes restrita ao amadorismo do programa, a situações cotidianas, explorando a percepção aguçada das personagens.

 

 

Com uma narrativa mais balanceada, abre-se espaço para um maior aprofundamento no debate do papel da mulher na indústria do entretenimento. Apesar de ser constituída com um elenco majoritariamente feminino, a produção não soube explorar bem este potencial previamente. À luz do #metoo, movimento que teve início três meses depois da sua estreia, “GLOW” tornou-se mais reflexiva, fazendo a escolha consciente de abordar os absurdos que profissionais do gênero feminino sofrem nas mãos de produtores, diretores e donos de emissoras.

Em “Pervertidos Também São Gente”, o que começa com um comentário malicioso sobre a obsessão de alguns fãs transforma-se em uma construção sutil, porém impactante, do funcionamento de um comportamento predador que, por meio de denúncias, tem se revelado muito mais comum do que esperado. Em uma sequência que determina toda a evolução da série, uma personagem se vê indefesa, acuada e solitária para, posteriormente, ser demonizada por uma colega do sexo feminino, símbolo do machismo institucionalizado.

Claramente, o episódio é uma reprodução do modus operandi de Harvey Weinstein, magnata que caiu em desgraça depois de ser reiteradamente denunciado. Uma das suas vítimas é Annabella Sciorra, amplamente descreditada quando fez uma queixa criminal contra ele. Ela teve sua carreira boicotada, permanecendo no ostracismo por anos, até se tornar uma das vozes que o derrubou. Sua participação na série como a mãe de Justine (Britt Baron) não é um mero acaso, mas um protesto poderoso contra um ambiente de trabalho tóxico, que desvaloriza e ativamente fere mulheres.

Com a inserção de tais debates, a série da Netflix encontra sua relevância na sua segunda temporada, sem perder de vista o apelo cômico do seu material, amplamente explorado em episódios maravilhosos, como “A Gêmea Boa”. Conciliando dramaticidade e humor na medida certa, oferece entretenimento de qualidade que deixa, ao final de vinte episódios, o desejo por ver mais batalhas entre as Gloriosas Damas da Luta-Livre – dentro e fora dos ringues.

 

Pôster

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ficha Técnica

 

Ano: 2017 – (em andamento)

Número de Episódios: 10 (por temporada)

Nacionalidade: EUA

Gênero: comédia, drama

Criadoras: Liz Flahive, Carly Mensch

Elenco: Allison Brie, Betty Gilpin, Britt Baron, Marc Maron, Chris Lowell, Sydelle Noel, Britney Young, Kate Nash, Gayle Rankin, Jackie Tohn

 

Trailer:

 

https://youtu.be/FLqXEDYLrBw

 

Imagens:

Avaliação do Filme

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