Por Luciana Ramos

 

“Depois da Festa” foi concebida por Christopher Miller como uma brincadeira estilística que usa um crime como pano de fundo para testar linguagens. A cada episódio, uma versão dos fatos é contada. As pequenas oscilações em tons e enquadramentos derivam da subjetividade dos suspeitos. Cabe ao espectador, portanto, juntar os fragmentos e tentar identificar incoerências para desvendar o assassinato. Como usual, o sucesso da (então) minissérie encheu os olhos da Apple TV – um streaming ainda sem grande catálogo – e, assim, Aniq (Sam Richardson) acabou se envolvendo em mais uma festa que deu errado.

Dessa vez, não foi uma reunião dos ex-colegas de turma, mas o casamento da sua cunhada. Embora trágico, o assassinato de Xavier lhe fez enfrentar o medo de rejeição e se declarar para Zoe (Zoe Chao). Um ano depois, eles continuam firmes e fortes, prestes a celebrar o amor repentino entre a irmã mais nova dela, Grace (Poppy Liu), e o milionário excêntrico Edgard (Zach Woods). Seria também o primeiro contato de Aniq com a família da namorada, mas as coisas não acontecem como planejado…até que um outro evento eclipsa a sucessão de gafes do rapaz: o noivo e sua lagarta morrem misteriosamente. A mãe dele, Isabel (Elizabeth Perkins), faz questão de culpar a nora, instigando o pânico entre os parentes mais próximos da jovem. Já o sócio do morto, Sebastian (Jack Whitehall), aproveita a falta de conhecimento público sobre o crime para mexer uns pauzinhos na empresa e, assim, garantir a sua liquidez futura.

Esse espaço de tempo é usado por Aniq para investigar o ocorrido e, para isso, ele conta com a ajuda de Danner (Tiffany Haddish), agora afastada da polícia. Enfrentando um sério bloqueio criativo, que empata seus planos de lançar um livro sobre o caso Xavier, ela viaja até o local do casamento e pede a todos os presentes que lhe contem seus “filmes mentais”.

São apresentadas várias versões do fatídico final de semana, mas os relatos também tentam contextualizar a relação de cada um com o morto, além de apresentar possíveis álibis e mudar progressivamente o foco entre os suspeitos. Um modelo de série tão específico, pautado na brincadeira entre estilos e gêneros, pode se esgotar rapidamente, já que a ideia é constantemente desafiar expectativas. A fim de dar algum frescor a sinopse, o showrunner decidiu expandir bastante o conceito, tornando sua apresentação mais elástica. Assim, ao invés de brincar com as sutilezas de um plano holandês ou uma iluminação mais fria, a série incorpora integralmente o gênero que se dispõe a homenagear.

Estes também caminham para concepções mais abstratas – de “suspense” e “comédia romântica” para “um filme de dança” ou “um filme Jane Austen”, brincando mais abertamente com a galhofa. Figurinos e objetos de cenas são adaptados para caberem em cada modelo, ainda que se observe atenção à coesão geral da narrativa. O deleite dessa temporada está muito mais na absorção de referências do que, propriamente, na resolução do crime. Há uma preocupação por parte dos roteiristas em não exaurir os temas: cada pequena reviravolta é pontuada por Aniq ou Danner e, por vezes, as histórias “de gênero” se costuram à novos acontecimentos na casa, trazendo mais dinamismo para a experiência como um todo.  

São oferecidas pérolas como o episódio policial e o penúltimo, Isabel, que pode ser descrito como um melodrama paranoico ou, diante das roupas e dose de insanidade, um “filme Joan Crawford” – em diálogo tanto com vários trabalhos da atriz como também com “Mamãezinha Querida”, o clássico camp que destroçou sua reputação. Hannah, um episódio a la Wes Anderson, é adorável e a inclusão da Belle & Sebastian como trilha sonora é incrivelmente sagaz, já que tira sarro não só do diretor, mas toda uma classe indie americana dos anos 90 (onde se incluiria também Sofia Coppola, por exemplo). Há também referências a mão estalando de Mr. Darcy em “Orgulho e Preconceito” e a dança entre Jennifer Lopez e Richard Gere em “Dança Comigo?”, marcando bem o tom despretensioso da produção.

Ao encarar tudo como uma grande brincadeira, o espectador é convidado a abstrair de possíveis deslizes narrativos, mas um olhar mais criterioso consegue identificar que, apesar dos esforços, a segunda temporada fica aquém da primeira pelo simples fato de ter expandido demais a ideia incial. Embora costurados com uma boa linha temporal, os episódios são muito dispares – tanto em estilo quanto em qualidade – o que limita um pouco o engajamento. Além disso, não se nota tanto esforço na inserção de detalhes que mudem a ótica do assassinato: tudo transcorre de maneira mais ou menos óbvia, incluindo o desdobramento final.

“Depois da Festa” oferece uma nova gama de episódios ousados e que, embora individualmente hilários, criam um conjunto um tanto disforme. A experiência de assistir a série continua bastante gratificante, ao mesmo tempo em que aponta uma limitação de modelo. É difícil imaginar Aniq enfrentando mais um assassinato em um pós-festa e, talvez por isso, a série amarre bem o seu final.

Ficha Técnica

Ano: 2022 – (em andamento)

Número de Episódios: 10

Nacionalidade: EUA

Gênero: comédia, policial, mistério

Criador: Christopher Miller

Elenco: Tiffany Haddish, Sam Richardson, Zoe Chao, John Cho, Paul Walter Hauser, Ken Jeong, Anna Konkis, Poppy Liu, Elizabeth Perkins, Jack Whitehall, Zach Woods, Vivian Wu

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