Por Luciana Ramos
Thomas Vinterberg é um provocador. Seus filmes sempre começam apresentando os personagens harmoniosamente, atendendo às expectativas da civilidade. A abordagem do seu tema vem da inserção de um elemento perturbador à essa dinâmica, que provoca reações exageradas e, muitas vezes, primitivas. Consequentemente, suas obras tornam-se estudos acerca das relações humanas, asserções sobre os limites emocionais de cada um e o desequilíbrio que logo se transforma em caos.
“A Comunidade” não foge à regra. Os habitantes de uma casa comunitária dos anos 70 põem em risco a noção do poliamor da época ao pintar um cenário que, embora bonito em teoria, provoca um contagiante sofrimento. A história começa com o casal Anna (Trine Dyrholm) e Erik (Ulrich Thomsen), que são forçados a decidir o que fazer com a casa da família dele. Uma ostensiva construção de época, é demasiadamente cara para ser mantida pelos dois, tendo em vista os custos da criação da filha adolescente Freja (Martha Sofie Wallstrøm Hansen).
Diante disso, ele parece determinado a vender. Anna, por outro lado, embebida pela mensagem da época e entediada com seu casamento, propõe transforma-la em uma comunidade, chamando amigos próximos e outras pessoas – devidamente entrevistadas – para compor um lar onde tarefas e alegrias são divididas igualitariamente.
A partir da chegada dos outros integrantes, o diretor, que também assume o roteiro ao lado de Tobias Lindholm, começa sutilmente a construir a sua tese: de início, todos vivem harmoniosamente, nadando pelados e gargalhando em noites regadas de vinho. A felicidade, no entanto, não contagia Erik, que se vê relegado ao segundo plano pela mulher. A restauração do seu equilíbrio pessoal vem através do caso com uma aluna, que logo se torna assunto público.
Eis que, nesse momento, Erik abandona o conceito regido até o momento e impõe a sua vontade acima da coletividade: ele usa seu status de proprietário para forçar todos a acolherem Emma (Helene Reingaard Neumann) na casa como sua nova namorada.O mal-estar é reforçado pelo colapso emocional de Anna, completamente entregue à depressão. O seu estado de espírito, por sua vez, contagia a todos, pondo em risco a harmonia em voga até então.
Pela temática, o longa assemelha-se ao engraçado “Bem-Vindos”, obra de Lukas Moodysson sobre um grupo de hippies cordiais que decide morar junto, mas adquire densidade no tratamento da questão. Usando o poliamor como força motora, Vinterberg não só propõe uma reflexão sobre as dificuldades de conciliação das esferas individual e coletiva como, através do subtexto, discute relações de poder em um sistema aparentemente igualitário e, assim destrói a utopia do seu conceito.
Para isso, “A Comunidade” foca principalmente no casal principal, bem mais desenvolvido que o restante dos personagens, como agentes desestabilizadores. Nesse sentido, Trine Dyrholm merece destaque. Ganhadora do prêmio de Melhor Atriz no Festival de Berlim desse ano, ela trabalha com complexidade os sentimentos de sua Anna e os apresenta com total entrega em uma interpretação excepcional.
Instigante e complexo, o novo filme de Thomas Vinterberg não consegue superar a excelência de “A Caça”, mas certamente expõe o que há de melhor no cinema do dinamarquês.
Ficha técnica
Ano: 2016
Duração: 111 min
Nacionalidade: Dinamarca
Gênero: drama
Elenco: Ulrich Thomsen, Trine Dyrholm, Helene Reingaard Neumann
Diretor: Thomas Vinterberg
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Imagens: