Por Luciana Ramos
Em seu romance “Pequenas Grandes Mentiras”, Lianne Moriarty usou o espaço escolar como palco para discussão de assuntos importantes, como bullying, educação e violência doméstica. No centro, estava um grupo de mães “leoas” que faziam de tudo para proteger suas crias. Seus métodos por vezes ignoravam cordialidade, justiça e outras características civilizatórias desejáveis, traçando-se assim um comentário sobre o relacionamento entre mulheres; em especial, a competitividade imposta socialmente em contraponto à força da sororidade.
A adaptação televisiva do livro no formato de minissérie para a HBO seguiu estas linhas, explorando ainda mais a psique destas mulheres, revelando suas angústias e contradições. Para isso, o diretor Jean-Marc Vallé apostou em uma montagem entrecortada, que mesclava lembranças, metáforas visuais e acontecimentos presentes em uma intricada teia centrada no abuso – tanto a experiência traumática do estupro de Jane (Shailene Woodley) como a rotina violenta de Celeste (Nicole Kidman) com o marido Perry (Alexander Skarsgård).
Partindo de um material rico, os sete episódios formaram, sem dúvida, um dos melhores produtos audiovisuais dos últimos tempos. O sucesso retumbante, muito arraigado ao star power das suas atrizes, levou a equipe encabeçada por Reese Witherspoon e Nicole Kidman (que também atuam como produtoras) a explorar ideias para mais episódios. Afinal, como elas alegaram, ainda é muito raro ter um programa televisivo pautado nos dilemas femininos.
A nova temporada de “Big Little Lies” se propôs a destrinchar as consequências dos atos descritos na primeira, voltando-se para a repercussão da morte de Perry. As testemunhas e algozes Madeleine (Reese Witherspoon), Jane, Bonnie (Zoë Kravitz), Renata (Laura Dern) e Celeste foram cunhadas de “Monterey Five”, um apelido que alude a um clima de julgamento público. Este aspecto, no entanto, somente é trazido à tona pelas mesmas ou, em uma única cena, pelo jovem Corey (Douglas Smith), interesse amoroso de Jane, um desperdício de subtrama que caracteriza toda a estrutura narrativa. Tratando alguns temas interessantes com superficialidade em detrimento da exploração do sofrimento das personagens principais, a série descende da excelência para se contentar com a mediocridade – esta acompanhada de uma certa irrelevância que lateja fortemente e nos faz questionar se a segunda temporada deveria ter sido feita.
A adição de Crystal Fox e Meryl Streep no elenco oferecia um potencial imenso, já que dava continuidade à relação entre mães e filhos exposta anteriormente, mas expunha uma nova faceta tóxica e, assim, propunha a análise dos impactos desse tipo de criação. Elizabeth retornou à vida de Bonnie com força, carregada de julgamentos, apontando ter problemas com álcool e servindo, assim, de uma forte fonte de conflitos. A mudança súbita na sua condição, por sua vez, suavizou o embate, relegando a sua filha reviver seus traumas por meio de lembranças e divagações, um tratamento narrativo muito menos potente, que teve seu ápice em uma cena estritamente verborrágica.
Já Mary Louise (nome de batismo de Meryl, designado à personagem em sua homenagem) surge como uma figura enigmática, que parece tanto disposta a ajudar quanto a julgar sua nora. Seu interesse em especial pelos desdobramentos da morte do filho, embora justificáveis, são colocados como uma ameaça à estabilidade das cinco mulheres responsáveis. Configura-se, assim, um conflito palpável e relevante, que ascende até o quinto episódio. A mudança de rumo que guia o restante dos acontecimentos é apresentada como uma arma manipulatória para o desvendamento do crime, mas se atém à julgamentos de capacidade maternal entre Celeste e Mary Louise – culpada unicamente, inclusive, pelo comportamento adulto de Perry.
O clima de mistério, pontuado pelas aparições sorrateiras da detetive, é absolutamente inexplorado e, portanto, descartável. Em seu lugar, foca-se na construção da culpa das mulheres, somadas ao acúmulo de obstáculos pessoais que as detém de seguir em frente. Enquanto a abordagem dos problemas de Celeste e mesmo de Bonnie se mostram bem embasados, outros, como os de Madeleine e Renata, são arrastados e, no último caso, ultrapassam os limites da credibilidade. Assim, a sucessão de gritos, choros e faces desoladas não deixa de parecer um ímpeto das atrizes/produtoras em tentar desesperadamente concorrer a premiações.
Não obstante, a série também sofre com a partida de Vallé da direção, assumida por Andrea Arnold. Seguindo frouxamente o molde estético da primeira temporada, a série recorre à montagem intricada, mas a suaviza bruscamente, o que afeta o ritmo das sequências, mais interessantes se fossem apresentadas de maneira linear. Este aspecto amador, por sua vez, parece ser o resultado direto dos problemas criativos dos bastidores, já que Arnold recentemente declarou estar “com o coração partido” por ter tido seu controle tolhido pela HBO, que recontratou Vallé para reeditar os episódios e, assim, reimprimir sua marca.
Em conjunto, os problemas apontam para um erro crasso de concepção: a de que os talentos das atrizes segurariam uma nova temporada, mesmo que a narrativa já tivesse se esgotado. Esta, embora não seja estritamente ruim, não consegue sair da sombra da anterior e, assim, arranjar uma razão de existir. Resta, então, a sensação de que a melhor decisão teria sido deixar “Big Little Lies” descansar na glória dos setes episódios originais.
Ficha Técnica
Ano: 2017-2019
Número de Episódios: 7 (por temporada)
Nacionalidade: EUA
Gênero: drama
Criador: David E. Kelley
Elenco: Reese Witherspoon, Nicole Kidman, Zoë Kravitz, Shailene Woodley, Laura Dern, Meryl Streep
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