Por Luciana Ramos
Ao primeiro olhar, “De Onde Eu Te Vejo” configura-se como uma comédia romântica despretensiosa. Através do término do relacionamento de Ana Lúcia (Denise Fraga) e Fábio (Domingos Montagner), acompanhamos vislumbres dos seus melhores e piores momentos, ao mesmo tempo em que testemunhamos as suas dificuldades de adaptação à nova rotina.
Esta talvez seja mais difícil do que para a maioria dos outros ex-casais, já que a oportunidade os fez morar em apartamentos paralelos, onde as janelas denunciam as ações de cada um e basta o telefone (ou às vezes gritos na sacada) para reaproximá-los. Tal configuração, ainda que amigável, mostra suas complicações com o tempo: a distancia física, companheira da liberdade necessária, é suprimida e seguir em frente torna-se mais difícil.
Assim, o filme adiciona sua segunda camada: a difícil tarefa de desapegar ao passado para que o futuro possa de fato se consumar, processo intermediado pelas incertezas das escolhas pessoais e frustrações de uma bagagem emocional de vinte anos. Uma determinada cena, aparentemente simples, expõe muito sobre esse dilema: deitados, cada um na cama do seu respectivo apartamento, Ana e Fábio falam pelo Skype. Porém, quando o assunto chega ao fim, os dois parecem incapazes de se desconectarem, deixando os computadores ligados para que possam ver o outro até dormir.
Ainda mais assustador para eles são as outras mudanças que ocorrem em suas vidas: enquanto a filha do casal Manuela (Manoela Aliperti) pensa em prestar vestibular para estudar em outra cidade, Fábio passa por outras transformações, ao passo que o emprego de Ana envolve o processo de constante demolição.
Nessa ligação de Ana com o seu ofício, encontramos uma forte analogia ao seu relacionamento com Fábio. Ela é uma arquiteta que agora passa os dias rondando a cidade de São Paulo em busca de estabelecimentos antigos para comprar, demolir e abrir espaço para empreendimentos modernos. Em suas buscas, relíquias abandonadas como o Cine Marabá viram oportunidade de aquisição, num processo que ignora toda a riqueza que tal lugar possa abrigar, seja esta de infraestrutura ou acervo de memórias, como os personagens de Laura Cardoso e Juca de Oliveira bem ilustram. Da mesma forma é o seu casamento mal fadado, que mesmo descontruído ainda pode conter lembranças boas ultrapassadas por mágoas recorrentes.
Ademais, tal uso narrativo permite ao longa revelar-se em outra instância: como uma ode à São Paulo, tanto do lado das relíquias escondidas pela cidade quanto à sua essência de constante transformação, perfil de uma megalópole.
Assim, um filme simples e bem escrito, com personagens ao mesmo tempo engraçados e melancólicos, revela-se capaz de abrigar varias histórias na de um casal. É igualmente relevante por saber acertar o tom, trocando clichês por reflexões sobre a inconstância do ser humano, sem nunca propor verdades de forma assertiva. Desse modo, mesmo algumas falhas, como o mal aproveitamento da ação dramática em alguns planos ou a performance bastante aquém de Manoela Alperti, completamente destoante do resto do elenco, não são capazes de tirar o brilho da história.
“De Onde Eu Te Vejo” mostra-se cativante por entreter, divertir e emocionar sem nunca subestimar o espectador. Trata-se do bom exemplo do que o cinema brasileiro é capaz de oferecer e merece ser assistido.
Ficha técnica
Ano: 2016
Duração: 90 min
Nacionalidade: Brasil
Gênero: comédia, romance
Elenco: Denise Fraga, Domingos Montagner, Manoela Aliperti, Marcello Airoldi
Diretor: Luiz Villaça
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