Por Luciana Ramos
“Um filme leve que fala de coisas sérias vale mais do que um filme sério falando de coisas leves”. Essa anotação presente na capa dos primeiros tratamentos do que iria se tornar o roteiro de “Duas Garotas Românticas” traduz a ideia de Jacques Demy para o filme: a alegria traduzida em músicas. Três anos após o sucesso do musical “Os Guarda-Chuvas do Amor”, que ganhou a Palma de Ouro em Cannes, o diretor revisitou o gênero para criar outro filme que permanece icônico mesmo após 50 anos do seu lançamento.
O encanto da trama é decorrente da sua construção como uma teia de desencontros de personagens que sonham com o amor e a realização. Dois caminhoneiros (George Chakiris e Grover Dale) atuam como fio condutor, já que a ação dramática se desenrola no tempo em que ficam na cidade de Rochefort, um final de semana. Bon vivants, eles são dispensados pelas namoradas e logo se encantam pelas irmãs Garnier, que não os levam a sério como potenciais namorados. Delphine (Catherine Deneuve) está determinada a terminar o relacionamento morno com o negociante de arte Guillaume Lancien (Jacques Riberolles) e procurar alguém que a ame de verdade. O desejo se intensifica quando vê na galeria dele uma pintura muito similar às suas feições e passa a sonhar em conhecer o autor da obra.
Já Solange (Françoise Dorléac) tem outros planos: tornar-se uma compositora de sucesso em Paris. Para isso, pede ajuda ao dono de uma loja de instrumentos musicais, Simon Dame (Michel Piccoli), que ainda cultiva uma antiga mágoa amorosa. Ele promete apresenta-la a Andy Miller (Gene Kelly), um músico de sucesso. As mães das garotas, Yvonne (Danielle Darrieux), por sua vez, sonha com um amor do passado enquanto comanda um bar no centro da cidade. Lá recebe o jovem Maxence (Jacques Perrin) com certa frequência. Soldado e pintor nas horas vagas, ele sonha com o seu “ideal romântico”, ao qual retratou em um quadro, exposto na galeria de Guillaume.
A narrativa gravita em torno dos desejos, anseios e, principalmente, sonhos dessas personagens, envoltos em uma atmosfera romântica. Esta não se resume às aspirações de encontrar um par, sendo expressa também nas reações dramáticas das gêmeas Garnier às situações apresentadas. As cenas são embaladas por músicas incrivelmente cativantes, compostas por Michel Legrand e escritas pelo próprio Demy. Seguindo a cartilha tradicional do gênero, são apresentadas de forma orgânica como um complemento da ação, exprimindo os sentimentos dos personagens que, de outra forma, permaneceriam escondidos.
Em contraponto, as danças afastam-se do ideal de perfeição consolidado em Hollywood. Notam-se, ao longo da projeção, movimentos dessincronizados e a adequação da coreografia à capacidade dos atores: enquanto George Chakiris executa maravilhosas piruetas na praça da cidade e Gene Kelly mostra em poucas cenas todo o seu potencial como dançarino, Deneuve e Dorléac atém-se a sequências mais simples, que compensam com charme.
De fato, este é o adjetivo que resume a obra de Demy. Despojada e cativante, supera a previsibilidade do roteiro – algo dentro dos padrões do gênero e da época – por nos fazer torcer pela realização de cada personagem. Extremamente encantador, “Duas Garotas Românticas” é um filme que continua relevante por contagiar o espectador com a alegria mostrada em uma combinação fascinante de músicas, danças e boas atuações.
*Essa crítica faz parte da cobertura do Festival Varilux de Cinema Francês 2017.
Pôster:
Ficha técnica
Ano: 1967
Duração: 126 min
Nacionalidade: França
Gênero: musical
Elenco: Catherine Deneuve, Françoise Dorléac, George Chakiris, Gene Kelly, Jacques Perrin, Grover Dale, Michel Piccoli
Diretor: Jacques Demy
Trailer:
https://youtu.be/bbfhF4HG6Lc
Imagens: