Por Luciana Ramos

Ao longo de cinco temporadas, “Breaking Bad” consolidou-se como uma das melhores séries já produzidas na televisão americana pelo modo paulatino e meticuloso com que arquitetou a transformação moral de Walter White (Bryan Cranston). Este trajeto, como esperado, provocou reações em cadeia nos personagens que o cercaram, marcando mais profundamente o seu parceiro de crime, Jesse Pinkman (Aaron Paul).

O encerramento definitivo da jornada de White abriu espaço para a reconquista de Jesse da sua liberdade, um ponto deixado indicado, mas propositalmente aberto – visto o conhecimento do público dos inúmeros desafios que ele enfrentaria pela frente. “El Camino”, o filme produzido em segredo por Vince Gilligan com a Netflix, parte exatamente deste ponto para explorar o que acontece quando ele retorna à Albuquerque, suas possibilidades de fuga e, mais importante, a retomada da sua identidade.

Quando o protagonista aparece na casa dos antigos amigos Skinny Pete (Charles Baker) e Badger (Matt Jones), ele se encontra transformado, destruído, apenas uma sombra do que já foi – resultado direto dos abusos que sofreu nas mãos dos neonazistas que o mantiveram em cativeiro. Os lapsos de memória que invadem e embaralham seu raciocínio ensaiam uma abordagem psicológica da narrativa, mas esta é abandonada assim que ele arranja um carro e um plano.

A partir deste momento, cabe a Jesse enfrentar obstáculos concretos variados para atingir o seu objetivo de recomeçar a vida no Alaska sob nova identidade. Além da caça de policiais e outros criminosos, ele ainda se vê compelido a cometer mais crimes pela necessidade de arranjar dinheiro rápido, o que quebra a expectativa inicial de uma jornada de redenção total.

Ainda que esta escolha tenha se revelado uma boa surpresa por apontar um rumo narrativo menos clichê, ela não representa a totalidade do roteiro, muito menos estruturado e pungente do que a extinta série – ou mesmo o seu igualmente incrível spin-off, “Better Call Saul”. Isto se deve à clara necessidade de Gilligan de agradar os fãs do universo que construiu, o que o leva a incluir cameos de diversos personagens que cruzaram o caminho de Jesse. Se a inserção narrativa de Todd (um Jesse Plemons claramente mais velho e transformado) faz sentido pelo efeito direto que ele teve na vida de Pinkman e a dos seus pais permite um certo encerramento na conturbada relação familiar, o mesmo não se pode dizer do aparecimento de Mike (Jonathan Banks), Jane (Krysten Ritter) ou outros que surgem em pequenas lembranças fragmentadas e não conseguem ultrapassar a barreira do fan service.

O claro propósito de agradar acaba tolhendo o filme de atingir uma relevância superior, já que o seu ponto principal acaba sendo sufocado. Uma pena, já que é bastante interessante a ideia de Gilligan de oferecer à Jesse ferramentas alheias para seu processo de reconstrução, visto que o personagem encontra-se tão perdido que se vê incapaz de fazer estas escolhas sozinho: a ideia de mudar para o Alaska parte de Mike; o carro, de Skinny Pete; as armas, dos seus pais e a sua nova identidade, sabatinada à exaustão em uma cena, é parte de um contrato profissional.

Ao final, “El Camino” mais uma vez abre as portas para o futuro de Jesse, indicando o seu rumo sem (felizmente) preocupar-se em fechá-lo, mas o seu real propósito permanece submerso em uma camada de revisitação nostálgica que envolve toda a trama.

Ficha Técnica

Ano: 2019

Duração: 122 min

Gênero: ação, drama

Direção: Vince Gilligan

Elenco: Aaron Paul, Jonathan Banks, Matt Jones, Charles Baker, Jesse Plemons, Robert Forster

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