Por Luciana Ramos
Quando Carrie Bradshaw realizou seu sonho de morar em Paris na sexta e última temporada da marcante “Sex and the City”, ela esperava ver a Torre Eiffel, encantar-se pelas largas avenidas, comer bem e respirar toda a cultura e romantismo que a cidade-luz sempre lhe prometeu em filmes e livros. Ao invés disso, encontrou grosseria (fruto do seu não entendimento da língua), decepção e melancolia. É no mínimo curioso que dezesseis anos depois Darren Star inunde “Emily em Paris”, sua mais nova produção, com perspectivas similares e pouco lisonjeiras sobre os parisienses.
Embora Emily (Lily Collins) seja bem mais entusiasmada com sua experiência, algo que deriva do seu inabalável (e levemente irritante) otimismo, as pessoas ao seu redor em geral a tratam com descaso, por vezes a ofendendo sem decoro. As grosserias se estendem da chefe à zeladora do prédio e um famoso estilista para quem presta um serviço. De básica à caipira, ela coleciona uma série pouco invejável de insultos ao longo de dez episódios.
Boa parte da irritabilidade decorre do fato de ela não falar francês e ser escalada para trabalhar em uma empresa de marketing de luxo na cidade: na verdade, a oportunidade veio após sua ex-chefe descobrir estar grávida e a mandar para um posto de trabalho superior e estratégico no exterior – a generosidade de alguns personagens dessa série não possuem paralelos na ficção.
As dificuldades com o pequeno e velho apartamento (um dos inúmeros estereótipos que fizeram os franceses declararem guerra à Emily e seu criador, Starr) levam a garota a conhecer Gabriel, por quem desenvolve um crush. A descoberta que ele é comprometido com uma garota muito simpática que logo virou sua amiga, Camille, a levam a ponderar outras opções românticas. Estas, segundo a série, são inúmeras; afinal, Paris é para amantes e, aparentemente, as pessoas dedicam boa parte do seu dia para o prazer.
A saudade de casa, junto a inadequação às normas sociais e culturais a levam a criar uma conta de Instagram dedicada a expor a sua visão da cidade, denominada @emilyemparis. Por meio dessa, a produção poderia propor-se a abordar as inúmeras discrepâncias entre marcas pessoais promovidas por meio de vídeos e fotos que projetam vidas irreais e a dura realidade ocultada dos posts…seria uma interessante investida nos paradoxos promovidos pelas redes sociais e suas consequências, mas nem o autor nem a Netflix parecem desejar este tipo de narrativa. “Emily em Paris” segue a cartilha rasa, palatável, atraente (principalmente pelas locações e figurinos) e óbvia típica das produções originais da plataforma.
Embora o arco romântico permeie sutilmente toda a temporada, a maior parte dos conflitos resume-se a um episódio e as soluções, não obstante, sempre derivam de alguma experiência ou observação de Emily que leva à criação de alguma estratégia de marketing bem-sucedida. Algumas, como a divulgação de uma marca de colchões, são bem interessantes. Outras, como o uso de um champanhe supostamente de luxo como spray para ser desperdiçado em baladas, simplesmente são intragáveis.
Um outro aspecto que depõe contra a série é exatamente o modo como lida com os temas e mercados que deseja abordar. Primeiramente, cabe salientar que fechamentos históricos de lojas como a de Manolo Blahnik em Nova York (idolatrada por Carrie Bradshaw) denotam a queda expressiva do mercado de luxo o que, de certa forma, justificaria o setor recorrer à blogueiras e redes sociais para promoção. Porém, a figura de Emily, transitando entre o mundo dos negócios e o feeling para posts populares (mais uma vez, qualquer análise crítica é evitada) não corresponde à realidade das redes sociais: são poucos posts e muito resultado; já o tratamento de questões como engajamento e do uso de influenciadoras para venda dos produtos são tratados superficialmente ou ignorados.
Em resumo, uma dedicação maior à pesquisa sobre o funcionamento do vasto apelo comercial das redes poderia levar Emily e sua jornada em Paris a caminhos bem mais interessantes. O mesmo pode-se dizer das descrições dos franceses, que têm toda razão em sua raiva. Do uso de boinas aos croissants, vinhos e grosserias, são inúmeros os clichês que vão minando o potencial da série.
Em contraponto, há o inegável carisma de Lily Collins, que consegue conceder graça à sua personagem e engajar o espectador a torcer por ela, além de alguns outros personagens cativantes, como Mindy, Camille e Julien – embora este seja pouco desenvolvido. Há os cenários de Paris, que resistem à cafonice dos clichês, as belas roupas e o charme de uma atração palatável o suficiente para uma absorção passiva. “Emily em Paris” não é nem de longe uma série boa, mas agradável o suficiente para consumo rápido, bem do jeito que a Netflix gosta.
Ficha Técnica
Ano: 2020
Número de Episódios: 10
Nacionalidade: EUA
Gênero: comédia, drama, romance
Criador: Darren Starr
Elenco: Lily Collins, Phillipine Leroy Beaulieu, Lucas Bravo, Ashley Park, Camille Razat, Samuel Arnold