Em “A Rosa Púrpura do Cairo”, a desiludida Cecilia (Mia Farrow) frequentemente escapa da vida miserável para entregar-se a magia do cinema. Sentada no escuro, assiste inúmeras vezes as mesmas aventuras do seu ídolo favorito. O seu comportamento, gatilho do roteiro de Woody Allen, era algo comum nas décadas iniciais da sétima arte, quando a exibição do filme principal era complementada pela inserção de outra obra, geralmente mais curta e de caráter menos sofisticado (filme B), além de pequenos documentários de notícias (newsreel), mostrados ao começo da projeção.
Assim, um ingresso valia a diversão por horas, algo enaltecido pela possibilidade de o espectador ficar na sala para assistir sessões posteriores. Com o tempo, o mercado de exibição foi se sofisticando, o que, para o consumidor, resultou em aumento de preço e perda de privilégios. Hoje em dia, é comum no Brasil a cobrança de trinta a setenta reais (em salas VIP) no ingresso individual (valor da inteira) para somente uma sessão, o que torna este programa bem menos acessível.
Crises econômicas espalhadas pelo mundo, em combinação com a facilidade do streaming, resultaram em declínios expressivos no comparecimento aos cinemas. No Brasil, a refração chegou a 21%, conforme noticiado pela Ancine no começo deste ano. Para combater esses índices, novos modelos de negócios têm sido criados. Um exemplo é a inclusão de refeições completas em salas VIP, como o Cine Drive-In, do Caixa Belas Artes (São Paulo) e o Alamo Drafthouse (EUA). O ato de promover a ida ao cinema como uma experiência robusta, que ultrapassa o simples ato de assistir a um filme, justifica o aumento do ticket médio, ao mesmo tempo que alavanca a sua percepção de valor. Neste sentido, também se encaixam sessões em 3D e 4D mas, ao contrário do anterior, neste caso o custo-benefício nem sempre é percebido pelo consumidor, visto que as obras utilizam essa tecnologia de forma esparsa, apenas o suficiente para justificar um preço abusivo.
Diante deste cenário, uma alternativa tem deixado as redes de exibição americanas divididas. Criado em 2011, o Moviepass é um clube de assinatura que, mediante pagamento mensal, permite ao espectador assistir um filme diferente por dia em salas selecionadas. A iniciativa tornou-se extremamente popular após decair o preço de U$ 50,00/mês para U$ 9,95/mês, estratégia tida como arriscada por analistas financeiros.
O questionamento mais feito é sobre a sustentabilidade deste negócio, que precisa de, ao mesmo tempo, um altíssimo número de assinantes e um pequeno comparecimento dos mesmos ao cinema para se manter. Isso se deve ao tipo de acordo firmado com as redes de distribuição: a cada ingresso retirado, a empresa se responsabiliza em repassar o valor integral as exibidoras, que cobram em média U$ 15,00/sessão.
Em defesa, a Moviepass afirma seu compromisso inicial de atrair o espectador de volta aos cinemas, inclusive para assistir outras produções, de menor projeção. Esse movimento decorreria da impossibilidade de retirar ingressos antecipadamente, forçando o público a ir ao local e ver os longas disponibilizados e seus horários, atiçando-os, assim, a assistir obras fora do padrão blockbuster.
Em fevereiro, eles se disseram diretamente responsáveis pelo aumento de 128 mi de dólares na arrecadação de bilheteria das obras que concorriam ao Oscar. Amplamente descreditados pela indústria, reduziram para a estimativa de 26 mi de lucros diretos, argumentando que os milhões adicionais vieram do efeito cascata de indicações boca-a-boca e publicidade dos indicados no seu app.
Seja qual for o número real, o Moviepass parece ser uma boa opção para os cinéfilos, que podem usufruir de maior quantidade de filmes a um preço menor. Em contraponto, eles terão seus dados computados e vendidos pela empresa a outras que desejem usá-los para maior fidelização de usuários – algo descrito pelo clube de assinaturas como uma receita adicional do seu negócio.
No Brasil, essa linha de raciocínio foi seguida pela Primepass, que promete alavancar o percentual de cinéfilos que frequentam as salas de exibição, hoje no patamar de 13%. Fundado em 2016, conseguiu 4 mil assinantes no primeiro ano e já possui acordo firmado com 2.500 salas em todo o território nacional. Diferente da realidade americana, a empresa oferece filmes no app baseados na geolocalização, convidando o usuário a se dirigir a uma sala especializada próxima e reservar o seu ingresso. Neste caso, privilegiam-se ofertas de assentos ociosos e, dessa forma, o valor repassado aos cinemas por ingresso não constitui o preço total da inteira.
São duas opções de planos mensais, o Duo (R$ 39,90) e o Smart (R$ 69,90), que possuem diferentes regras de utilização. Neste sentido, cabe-se pesquisar sobre usos em dias especiais, como finais de semana, e sessões em IMAX, 3D e 4D. Apesar do potencial atrativo, o site da empresa permanece em versão beta e o seu app ainda segue desconhecido do grande público brasileiro.
Diante do movimento contínuo de declínio ao comparecimento aos cinemas, estratégias como clubes de assinaturas que representam vantagens econômicas aos clientes parecem ser boas alternativas para trazê-los de volta. Porém, para isso dar certo, é necessária a parceria com diversas redes de distribuição em condições amplas. Mediante o cumprimento desses quesitos, o Moviepass e o Primepass podem ganhar muito fôlego nos próximos anos.
[UPDATE]: A Moviepass anunciou que, por tempo limitado, disponibilizará as assinaturas pelo valor mensal de U$ 7,95.