A diretora Gabriela Amaral Almeida e o ator Julio Machado sentaram-se com a imprensa para discutir referências e o processo de construção dos personagens do filme “A Sombra do Pai”. A obra, segundo longa da diretora, explora a questão do luto e da paternidade através da relação entre o pedreiro Jorge e sua filha, a pequena Dalva , que vive com a tia desde a morte da mãe. Contando com uma atmosfera etérea e até certo ponto sombria, pautada no silêncio e na contemplação, o filme estabelece com o espectador uma ponte conectiva com todo o arsenal cultural e, mais do que isso, emocional, que Gabriela obteve a longo de sua relação com o cinema.

Quando perguntada sobre suas inspirações para seu novo longa, Gabriela iniciou sua resposta justamente rompendo com as expectativas usuais para esse tipo de pergunta, dizendo que, assim como o ator Murilo Benício havia dito em uma entrevista anterior, não existe referência para o artista: o que existe é um misto de sentimentos, de emoções, que levam o criador a entrar em contato com a criação, como se fosse um mergulho no passado que formou a bagagem cultural e a experiência de vida de um diretor, ator ou roteirista no momento da composição de sua obra. 

Essas memórias, que pulsam nas veias do artista e o impulsionam a criar, podem vir de filmes, livros, pinturas e mesmo situações vividas direta ou indiretamente por ele que são resgatadas quando a “semente” da obra começa a ser plantada. Neste contexto, a primeira grande influência citada foi “O Espírito da Colmeia”, do espanhol Victor Erice, que narra as experiências de uma garotinha na Espanha da Era Franco tentando superar e entender a questão da morte. Segundo ela, muito da fantasmagoria de “A Sombra do Pai” e a “assombração” do filme de Erice está presente em sua obra. Ela então ressalta que, em seu filme, toda a parte técnica (da composição da mise-en-scène à produção e escolha do figurino) vai em direção a respostas do enigma que o filme tenta desvendar, que vem em forma de pergunta: qual a duração do pai e da mãe na nossa vida? Até que ponto os nossos vínculos são mantidos?

Júlio Machado como Jorge em “A Sombra do Pai”

Quando perguntado sobre a composição da personalidade de Jorge, o ator Julio Machado diz ter se pautado no “dossiê” de particularidades apresentado pela diretora,  que incluía citações de livros, filmes, músicas e diversas outras inclinações culturais e relacionadas à fisicalidade do personagem, como ele se comportaria enquanto pai e enquanto homem no cenário apresentado pelo filme. Ambos os entrevistados ressaltaram que a maior preocupação na composição estava em como falar do homem brasileiro contemporâneo metaforicamente através daquela pessoa, transmitindo sensações e uma imagem límpida de um arquétipo pré-estabelecido.

Muito presente no filme, a paternidade de Jorge o coloca entre um limiar entre um monstro e um “homem do bem”, como um legítimo Frankenstein, como frisou a própria Gabriela. Vivendo de baixa renda, ele é um personagem do qual foi privado o “sentir”, um alguém que tem a maldade e a bondade intactas dentro de si, mas que é um produto do sistema opressor em que vive.

Quando perguntada sobre o futuro do terror e sobre a construção de uma atmosfera através da trilha sonora (fator de presença constante em sua obra), a diretora ressaltou que, em seus trabalhos, a música acompanha a montagem e jamais vem depois dela, porque o som serve como ancoragem para o brasileiro aprofundar sua imersão no gênero. 

Ciente de que é uma representante de nicho, Gabriela demonstra personalidade em suas respostas e perseverança nas atitudes, sabendo que já enfrentou e enfrentará muitos questionamentos sobre suas escolhas profissionais. Seu maior interesse reside em contar história, em mostrar para as pessoas a que veio ao mundo e compartilhar um pouco de suas opiniões, de suas questões pessoais com um público que possa desconstruir seus próprios paradigmas e se entregar ao tipo de cinema que ela propõe.

Confira a nossa crítica de “A Sombra do Pai”

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