Por Andressa Araújo
Em 2009, após ser demitido de “Moneyball” (produção que viria a ganhar seis indicações ao Oscar), o diretor Steven Soderbergh reconsiderou a sua carreira, chegando a anunciar uma aposentadoria. Seu retorno, no entanto, culminou na experimentação do uso de novas (e mais baratas) tecnologias de filmagem, embutidas em smartphones. “Distúrbio”, seu primeiro longa inteiramente filmado com o celular, foi bastante elogiado, embora, no Brasil, tenha sido lançado direto no VOD. “High Flying Bird” é a sua segunda empreitada neste campo e estreia como uma produção original Netflix que mostra os bastidores de uma liga esportiva americana. Sem meias palavras, seu humor ácido critica o sistema e se torna um dos pontos altos do longa.
A trama tem como pano de fundo o congelamento de salários e investimentos devido a uma disputa entre o sindicato dos jogadores e os empresários por trás das transmissões das partidas e dos times de basquete. Nesse contexto está Ray Burke (André Holland), um agente que arrisca sua própria carreira para manter o contrato de seu mais novo cliente, o novato Erick Scott (Melvin Gregg).
Enquanto Scott só quer entrar em quadra, Burke percorre os corredores da empresa e adentra reuniões para cuidar do lado burocrático do basquete. Suas conversas com pessoas importantes na empresa são repletas de críticas ao esporte monetizado e acabam por mexer com temas como homobofia e racismo. Ao longo do filme, o roteirista Tarell Alvin McCraney (premiado por “Moonlight: Sob a Luz do Luar”) faz referência à escravidão, uma vez que, conforme exposto em alguns diálogos, os jogadores negros em quadra são como mercadoria nas mãos dos empresários brancos.
Essas várias conversas ao longo do filme deixam a trama mais arrastada, aumentando à toa a expectativa do público para o início de uma revolução contra o sistema (que, por sinal, aparece timidamente apenas no final do longa). Entre uma cena e outra, o filme ganha um toque documentarista ao expor entrevistas reais com os basquetebolistas Reggie Johnson, Donovan Mitchell e Karl-Anthony Towns. Eles falam sobre sua trajetória e ascensão no NBA, contando sobre os anseios que tinham quando ainda estavam conquistando seu espaço no mundo do esporte. Nos bastidores de uma grande liga, no entanto, a história muda.
Os personagens também são limitados e deixam a impressão de que tinham mais a acrescentar: a fiel assistente de Burke (Kai Quinto) parece estar sempre com um plano escondido na manga; o jogador Scott dá a impressão de ser mais esperto do que realmente é; e o próprio Burke só causa empatia no público em algumas cenas, como quando dá mais informações sobre seu falecido parente.
No final, é a montagem e direção de Soderbergh que causam o impacto do filme. Além de ser gravado com um smartphone, a abordagem de diferentes ângulos e uma câmera quase sempre em movimento complementam o trabalho ousado do diretor. Em termos técnicos, é indiscutível o lado inovador de “High Fying Bird”, ainda mais considerando que sua grande estreia foi feita na gigante do streaming.
Ficha Técnica
Ano: 2019
Duração: 90 min
Gênero: Drama, Esporte
Diretor: Steven Soderbergh
Elenco: André Holland, Melvin Gregg, Eddie Tavares, Zazie Beetz, Bill Duke, Zachary Quinto
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