Desde a escalação de Scarlett Johansson em “Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell”, baseado em um mangá, críticas por parte do público e da imprensa levantaram mais uma vez a questão do sistemático uso de whitewashing em grandes produções hollywoodianas.

O filme, que explora o passado de Major, sua personagem, exacerba a questão ao lhe dar uma identidade anterior japonesa – ainda que tente suavizar a polêmica com o discurso de que Major é um híbrido (corpo robótico e cérebro humano) e, como tal, não tem identidade. De fato, incomoda na adaptação o contraponto entre a cultura asiática de pano de fundo e os atores brancos que assumiram os papeis principais, incluindo a francesa Juliette Binoche, o americano Michael Pitt e o dinamarquês Pilou Asbæk.

 

Incrementa ainda mais a discussão a declaração da empresa de efeitos visuais Little Fx, que disse ter sido contratada para fazer retoques visuais com CGI a fim de dar características mais asiáticas a esses atores, o que a produção do longa negou veementemente. Os números prévios indicam uma perda em torno de 60 milhões de dólares para a Paramount Pictures, que culpa diretamente a polêmica pelo resultado catastrófico.

Scarlett Johansson em "A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell"

Scarlett Johansson em “A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell”

A verdade é que a prática, que consiste na escalação de atores brancos em papeis de outras raças e nacionalidades, era bastante presente em produções da época áurea de Hollywood, que adotava blackface e yellowface (pintura dos rostos dos intérpretes na tentativa de camuflar a cor de suas peles) de forma recorrente. Os protestos a partir dos anos 60 levaram a uma maior representação afro-americana em filmes (ainda que continue limitada), mas a escalação de atores para papeis asiáticos, nativo-americanos e outros permanece extensa.

 

Como exemplos mais conhecidos da história do cinema, há a escalação de Katharine Hepburn como uma chinesa em “A Estirpe do Dragão” (1944), Burt Lancaster como guerreiro nativo-americano em “Apache” (1954) e Mickey Rooney como Sr. Yiunioshi em “Bonequinha de Luxo” (1961).

Katharine Hepburn em "A Estirpe do Dragão"

Katharine Hepburn em “A Estirpe do Dragão”

Lena Horne, atriz e cantora afro-americana contratada dos grandes estúdios nos anos 40 e 50, era remetida a pequenas participações inexpressivas em filmes, como forma de oferecer algum tipo de representação para as minorias. Em dois casos conhecidos, ela foi escalada para interpretar uma mulher negra que se passa por branca em “Pinky” (1949) e uma personagem de raça mista em “O Barco das Ilusões” (1951), mas foi substituída pelas atrizes brancas Jeanne Grain e Ava Gardner, já que os estúdios achavam que tais rostos, mesmo sob tinta marrom, atrairiam uma audiência maior.

 

A resposta do público mudou em relação a questão e a aceitação passiva transformou-se em reclamações públicas e demanda pela representação de diversidade nas telas. Alguns filmes, diante disso, sofreram perdas expressivas pelo casting no mínimo mal feito: é o caso de “Príncipe da Pérsia” (2010), com Jake Gyllenhall, “Sob o Mesmo Céu” (2015), que tem Emma Stone no papel de Allison Ng, Johhny Depp como um nativo americano em “O Cavaleiro Solitário” (2013), Rooney Mara vive uma índia em “Peter Pan” (2015) e Matt Damon foi escolhido como protagonista de “A Grande Muralha” (2017).

O que se nota é a falta de interesse por parte do público em cooptar com tais escolhas, tão distantes do mundo real. Não é mais possível a aceitação calada de uma prática que denota um racismo sistêmico, preconizado pela falsa afirmação de que o público tem interesse maior em ver atores brancos no cinema. Diante das perdas, alguns estúdios já se pronunciaram sobre a questão, assumindo que, de fato, o whitewashing tem prejudicado mais que ajudado nas bilheterias. O que se anseia é a mudança para uma plataforma que premie as diferenças e as represente de maneira mais fidedigna no cinema.

Confira na nossa galeria outros casos de whitewashing:

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