Por Luciana Ramos
Florence Foster Jenkins foi uma americana muito rica que promovia as artes na década de quarenta e realizava pequenos eventos onde cantava ópera. Curiosamente, sua voz era estridente e horrenda, mas ela parecia completamente obtusa ao fato, crendo ser dotada de grande talento.
Sua vida ganhou dois filmes: “Florence: Que Mulher é Essa?”, do britânico Stephen Frears, e “Marguerite”, versão francesa transposta para os anos vinte. Nas mãos do diretor Xavier Giannoli, a história ganha contornos sádicos e serve como objeto de crítica social.
A baronesa Marguerite Dumont (Catherine Frot) é uma figura excêntrica que literalmente devota a vida pela arte. Sua busca por objetos de cenas e figurinos, além da incessante prática do canto que faz gatos miarem de desespero, ocupa os seus dias.
A conivência com que é recebida nos pequenos saraus que oferece é intrinsicamente ligada aos interesses pessoais de cada personagem: a tolerância é posta como um desdobramento do dinheiro e um certo apetite na humilhação alheia.
Os mais próximos atuam repelindo-a, como o seu marido (André Marcon), ou erroneamente incentivando sua loucura pela omissão de suas opiniões, como o jornalista e amigo Lucien Beaumont (Sylvain Dieuaide). Ambos comportamentos carregam em si certa dose de crueldade que, ao ser explorada, revela-se extremamente cômica.
Nesse sentido, um dos personagens que melhor traduz o espirito da trama é o fiel mordomo Madelbus (Denis Mpunga). Responsável por perpetuar os devaneios da patroa, transita entre a devoção e o sadismo puro, revelando-se paulatinamente mais complexo do que o inicialmente mostrado.
Em contraponto aos demais, há a inocência absoluta da protagonista em relação a si mesma, o que lhe confere certa dignidade nas ações. Como diz o maestro Pezzini (Michel Fau) em determinado momento da trama, “o sublime e o ridículo nunca estão distantes”. Neste caso de narcisismo infundado, fruto da supressão absoluta da autocrítica, a distorção revela-se como meio para obtenção de reconhecimento e carinho, o que torna os falsos encorajamentos ainda mais cruéis.
Sua solidão é reiterada visualmente, já que Marguerite é usualmente fotografada em posição de isolamento. Tais construções são completadas pela feição sempre melancólica e levemente desolada de Catherine Frot, que faz um excelente trabalho.
Dessa forma, a sátira social configura-se na medida em que Marguerite avança nos seus planos de apresentar-se para uma grande plateia. Acompanhamos sua iminente ruína com o interesse de um voyeur, alimentado por planos entre frestas e pequenas janelas. O processo é incrivelmente prazeroso, dado o teor ridículo das situações. As passagens que exploram seu treinamento intensivo para aprimoramento, em especial, são um deleite.
Atendendo a sua função de entretenimento sem desprender-se da complexidade narrativa, “Marguerite” revela-se excelente. Sádico por natureza, critica muito mais a sociedade desprovida de compaixão do que a falsa artista que não tem a menor percepção de si.
Ficha técnica
Ano: 2015
Duração: 129 min
Nacionalidade: França
Gênero: drama
Elenco: Catherine Frot, André Marcon, Michel Fau
Diretor: Xavier Giannoli
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