Por Luciana Ramos
Profundamente impactados pelo nascimento do filho, Anna (Judith Chemla) e Adam (Arthur Igual) decidem fazer uma pequena viagem à Cracóvia, que servirá tanto como um respiro para o casal, uma segunda lua de mel, como a reconexão com as suas origens – ambos descendentes de poloneses, eles concordam em participar de uma cerimonia que relembra o aniversário do extermínio dos judeus na região.
A chegada ao local desperta uma certa tensão no casal, fruto do contraste da empolgação dela (que imediatamente se sente “mega polonesa”) ao cinismo dele, extensivo à falta de conexão com à terra estrangeira, ao evento e, de forma mais significativa, aos pequenos costumes e indicações da sua religião, os quais acha desnecessários seguir, para o desagrado da esposa.
As diversas fontes de conflitos apresentadas são trabalhadas inicialmente através do humor, ferramenta que permite um olhar crítico tanto da experiência de dois estrangeiros na Polônia, explorando situações cômicas comuns aos viajantes, quanto na exposição ácida da comercialização do sofrimento histórico dos judeus. Assim, ao lado de uma cena onde Adam entra em pânico por Anna alegremente convidar uma polonesa que não conhece para ficar na sua casa na França (sem nem compreender o que ela fala), está a sequência onde, chocados, eles observam carrinhos de transporte passando, oferecendo passeios a campos de concentração e a fábrica de Schindler.
Não obstante à apropriação do genocídio para fins lucrativos, há a venda de artefatos sagrados para o povo judeu, símbolos religiosos que são colocados em barracas juntamente com relíquias macabras nazistas. Esta aberta crítica ao modo como a dor judaica foi banalizada ganha ainda mais relevância ao jovem casal encontrar uma senhora que, em um cemitério judeu, explica em linguagem simples e acessível o que viveu quando criança: o seu relato oral é um importante instrumento histórico e a sensibilidade da sua abordagem denota o respeito e cuidado com que o assunto deve ser tratado.
Aos poucos, a sucessão de situações cômicas começa a se diluir, abrindo espaço para o aprofundamento na real intenção da diretora: o tratamento da relação entre identidade e origem. A diferença de postura de Anna e Adam quanto à religião que partilham vai além de uma questão de percepção, fundamentando-se em um ponto essencial: a falta de informações que ela dispõe sobre sua avó, nascida naquela região, uma grande fonte de ansiedade em sua vida. A incapacidade de poder, por exemplo, contar ao filho no futuro de onde ele vem, culmina no desgaste da sua relação com a mãe, a quem involuntariamente culpa pela fragmentação identitária – ainda que, como fica claro, é algo que Irène (Brigitte Roüan) também foi tolhida.
Deste modo, a diretora Élise Otzenberger expõe uma outra faceta cruel do Nazismo: a negação ao povo oprimido da sua memória. A avó de Anna, como tantas outras, a fim de fugir dos horrores dos campos de concentração, foi obrigada a adotar outro país como seu e, no processo, esconder todo e qualquer traço que a conectasse com seu passado. Ainda que tivesse continuado a cultivar a fé judaica, privou seus descendentes da tradição oral familiar (novamente exposta), que é um elemento fundamental de constituição da identidade, já que molda a percepção do lugar que cada um ocupa do mundo.
Assim, ainda que sofra com pequenas oscilações de ritmo e, por vezes, recorra a repetições desnecessárias, “Lua de Mel Polonesa” consegue ultrapassar a fórmula dos road movies ao embasá-lo com argumentos pungentes e relevantes, devidamente embalados com o invólucro confortável do humor.
Ficha Técnica
Ano: 2019
Duração: 88min
Gênero: comédia, drama
Direção: Élise Otzenberger
Elenco: Judith Chemla, Arthur Igual, Brigitte Roüan
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