Por Luciana Ramos
O cinema é capaz de extrapolar sua função de entretenimento e alcançar novas dimensões toda vez que um diretor usa a arte como instrumento de exteriorização de si, de suas vivências. Esse parece ser o propósito de Mike Mills. Em “Toda Forma de Amor”, usou a linguagem fílmica para tentar compreender o pai que, depois de idoso, assumiu-se homossexual, o que o fez contestar suas escolhas até então.
Agora, com “Mulheres do Século XX”, volta-se à sua adolescência, período em que viveu com a mãe e usufruiu da convivência de mulheres que o ajudaram a moldar seu caráter, abordando o conflito geracional que separava-o da figura materna.
Os dois, mãe e filho, não conseguiam se entender, apesar de conviverem bem. O que era significativo para um parecia incompreensível para o outro. Não só uma extrema diferença de gostos, mas de perspectiva de vida. Jamie (Lucas Jade Zumann) usa como desculpa o fato de Dorothea (Annette Bening) ter nascido no período da Grande Depressão, o que automaticamente a torna ultrapassada na realidade do final dos anos 70. Ela, por sua vez, não consegue achar sentido nas escolhas do filho, parece perdida e culpada pela ausência de uma presença masculina.
Depois de um incidente, Dorothea aciona as duas mulheres mais próximas de Jamie para ajudar a “torná-lo um bom homem”, por serem de uma geração anterior a sua. Abbie (Greta Gerwig), de vinte e poucos anos, aluga um quarto na sua casa e tenta se descobrir como fotógrafa enquanto trata de um câncer cervical. Já Julie (Elle Fanning), a melhor amiga de Jamie, é confusa e possui comportamento que qualifica como “autodestrutivo”, oferece sinais mistos de amizade e usa o sexo como uma ferramenta, apesar de não parecer ter certeza das suas escolhas.
Por meio do convívio, ele é exposto a livros, fotografias, música e tudo o que faz sentido às três mulheres. Assim, abre a sua perspectiva a uma melhor compreensão do universo feminino, transição que incomoda a sua mãe.
A casa, que ainda abriga William (Billy Crudup), que mora ali em troca de um serviço de reforma, é mostrada em reconstrução durante toda as cenas. O teto descascado e os azulejos quebrados da cozinha estão ali como metáfora da constante mudança dessas personagens, das inquietudes, amadurecimento e transições.
Igualmente interessante é o uso da narração como ferramenta de aprofundamento do psicológico dessas pessoas. Recontando a sua história, por vezes até entregando o que vai acontecer após os minutos de filme acabarem, cada um não só explana seus pensamentos como contribuem para oferecer um panorama social daquela década e, por conseguinte, aprofundar o tema. Em um desses momentos, Dorothea diz que essas pessoas, tão ligadas ao punk, não sabem que este está prestes a acabar e que Reagan e sua política neoliberal virá logo em seguida. Em outras palavras, esses jovens também serão ultrapassados por uma nova geração que demanda diferentes coisas da sociedade e, por isso, sofrerão para entender a nova dinâmica; assim, eles também um dia serão considerados “velhos”.
Essas sequências, em particular, demonstram a qualidade do diretor, que enfatiza a ação dramática através de travellings horizontais, contrapostos à concatenação de elementos que representam cada personagem, enaltecidos com uma montagem que usa a oscilação de tempo de acordo com o discurso preterido.
Ainda que forneça um panorama bastante intrigante que transcende a experiência pessoal do Mills para abordar uma geração de mulheres, o filme, a partir do segundo ato, sofre com problemas de ritmo. As narrações, por serem objetivas, são bem mais interessantes que os momentos do cotidiano, levando a uma oscilação no roteiro que é facilmente sentida.
No entanto, a trama regozija-se nas atuações, todas ótimas, em especial a das três mulheres: Greta Gerwig, Elle Fanning e Annette Bening. Cada uma a seu modo oferece uma atuação inspirada e revela toda a complexidade que habita em uma mulher. Bening sobressai-se pela demonstração, mais uma vez, de uma sensibilidade artística aguçada, pontuada com mudanças sutis de expressão que entregam o emocional de sua personagem.
Ao final, o diretor conclui que a força motriz da sua obra é oferecer um panorama mais colorido de uma mulher essencial da sua vida, algo que não parece conseguir transmitir em histórias nostálgicas contadas ao filho. Para isso, precisou recorrer ao cinema onde, ao longo de cento e vinte minutos, celebra a sua complexidade, qualidades e defeitos em uma trama ao mesmo tempo leve e significativa.
Ficha técnica
Ano: 2017
Duração: 120 min
Nacionalidade: EUA
Gênero: comédia, drama
Elenco: Lucas Jade Zumann, Annette Bening, Elle Fanning, Greta Gerwig, Billy Crudup
Diretor: Mike Mills
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