Em seu livro de memórias, John Waters, diretor de filmes cult como “Pink Flamingos”, ponderou sobre a série de assassinatos cometidos pela “família Mason”. O que os distanciava? Vindos da mesma origem, seguidores da cultura hippie, ele se perguntava: estariam separados pela quantidade de drogas que ingeriram, que “fritaram” os cérebros daquelas meninas e as tornaram suscetíveis as ideias macabras de Mason? Ou haveria uma predisposição ao crime?

 

Em 1969, muitos fizeram a mesma pergunta. Até então, Charles Mason era visto como um hippie que comandava uma comunidade em um rancho californiano, onde viviam homens e mulheres que praticavam o poliamor. Seu maior desejo era tornar-se famoso e o caminho escolhido por ele foi a música. Por isso, era possível vê-lo rodeado de pessoas influentes, como os Beach Boys, sempre querendo uma oportunidade para atingir o estrelato. A frustração, combinada com altas doses de loucura, racismo e drogas, o levaram a começar a pregar uma “revolução”, mais tarde conhecida por “Helter Skelter” – nome de uma música dos Beatles. Sob seu comando, oito brutais assassinatos foram cometidos. O mais famoso dele ocorreu na Rodeo Drive, onde Sharon Tate, mulher de Roman Polanski e, no momento, grávida de nove meses, foi morta.

 

Os alvos, no entanto, eram outros: aquela casa pertencia ao produtor musical Terry Melcher (filho de Doris Day) e sua mulher, a atriz Candice Bergen. Ele havia prometido lançar a carreira musical de Mason e, logo em seguida, evitado contato. A promessa vazia elevou a fúria de um homem já claramente doente, que comandou a suas seguidoras para matarem todos na casa. Assim foi feito e Tate, que alugava o local naquela ocasião, sucumbiu a violência, junto a um grupo de amigos hospedados e um garoto que trabalhava como caseiro. Nas paredes, foram escritas palavras como “pig” com o sangue deles.

 

 

O apelo desses assassinatos vai além da curiosidade mórbida, já que eles se tornaram símbolo da uma mudança de atitude da sociedade americana, que trocou de vez os lemas de “paz e amor” por uma paranoia generalizada, fortalecido pelo embrutecimento político com a ascensão de Richard Nixon ao poder. Explica-se, portanto, o interesse de tantos diretores em recontar esse fragmento histórico. O primeiro a anunciá-lo como tema do próximo filme foi Quentin Tarantino, que primeiro afirmou ter escrito um roteiro sobre os crimes de Charles Mason para, depois de ser criticado, esclarecer que sua trama analisaria o impacto cultural de 1969. Em uma jogada de marketing de gosto questionável, decidiu lançá-lo no aniversário de 50 anos da morte de Sharon Tate.

 

A cobertura da mídia em torno do tema levou ao anúncio de outro projeto, comandado pela diretora Mary Harron (“Psicopata Americano”). Este terá Matt Smith (“Doctor Who, “The Crown”) no papel de Mason e Suki Waterhouse (“Orgulho e Preconceito e Zumbis”) como uma de suas seguidoras. O longa focará na condenação de todos a morte e a subsequente transição para prisão perpétua com a mudança das leias californianas. Eis que, surpreendentemente, o diretor Richard Linklater usou as mídias sociais poucos dias depois dessas noticias para, de forma um tanto desesperada, apresentar seu novo projeto: um filme sobre 1969. Ele disse que já o desenvolve há alguns anos, usando o formato de “Boyhood”, e se mostrou um pouco preocupado com a concorrência. Mais detalhes sobre a trama de sua obra, no entanto, não foram fornecidos.

 

Ano que vem, 2019, marca os cinquenta anos das mortes brutais, o que é claramente um incentivo para revisitar a história. Curiosamente, os projetos também tomaram forma após a popular pesquisa de Karina Longworth, que não só detalhou os acontecimentos em seu podcast, “You Must Remember This”, como os relacionou com Hollywood e a crise cultural dos anos 70. Nele, ela concatena uma série de acontecimentos que derrubaram a utopia do pacifismo dos anos 60, como o agravamento da situação no Vietnã, os assassinatos dos Kennedys (Jack e Bobby) e a morte de uma pessoa em um show dos Rolling Stones (mostrada no documentário dos irmãos Maysles, “Gimme Shelter”). Relaciona, ainda, a vida de Mason à sua obsessão por Hollywood e, posteriormente, a obsessão dela por ele: atores como Jack Nicholson assistiram ao julgamento, Dennis Hopper o entrevistou várias vezes e Joan Didion visitou as garotas da família na prisão.

 

Um dos mais participativos acabou sendo John Waters, que estabeleceu um relacionamento com Leslie Van Houten ao longo dos anos e, acreditando na sua redenção com a prisão (e a abstenção do LSD), chegou a advogar por sua libertação condicional. Diante de tantos elementos, os filmes sobre 1969 tem muito a oferecer. Cabe a nós, cinéfilos, esperarmos que os roteiros abordem o tema de forma ampla, aprofundada e respeitosa as memórias de vítimas como Sharon Tate.

 

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