O cinema está em constante evolução, seja em estética, narrativa ou plataforma de exibição. Por vezes, o surgimento de um novo artefato muda a forma de se pensar a arte, visto que inúmeras possibilidades artísticas se abrem. Foi assim com o surgimento de câmeras digitais, leves e portáteis, que não só baratearam a produção como fomentaram a construção de novas linguagens.
O desenvolvimento de realidade virtual é o próximo passo dessa evolução. Como em todos os casos, suscita debates, polarizando-se nos grupos a favor e contra. Há quem argumente o caráter egoísta desse tipo de experiência, contrastante ao ato de ir a uma sala de cinema e sentar-se cercado por pessoas, que compartilharão o filme. Esse ritual, para os contra o VR, é o cerne da arte cinematográfica e não pode descartado. Ademais, há a questão prática dos custos, visto que a plataforma necessita de óculos especiais e fones de ouvido para ser desfrutada.
Por outro lado, tem-se o caráter altamente imersivo da nova tecnologia e a consequente possibilidade de sair dos limites planos de um enquadramento em 2D para explorar uma narrativa em 360º. Cada experiência será diferente da outra, já que exige a interação do usuário para sua execução.
Ainda existem poucos cineastas debruçados sobre a questão e a produção de filmes para essa plataforma é quase nula. Ainda assim, há quem use-a para experimentar novas formas de contar histórias. É o caso de Alejandro González Iñárritu (“Birdman”), que expôs os horrores vividos por aqueles que tentam cruzar a fronteira do México em direção aos Estados Unidos em “Carne Y Arena”. Exibido no Festival de Cannes deste ano, convida o espectador a sofrer na pele dos mexicanos por breves sete minutos. Foi exaltado como brilhante e inovador.
Neste sentido, o Festival Varilux de Cinema Francês está promovendo uma mostra especial de realidade virtual em São Paulo e Rio de Janeiro, que começou no dia 07 de junho e se estenderá até o dia 18. Durante esse período, os interessados poderão assistir a 07 filmes, além de poder participar de um jogo interativo.
A experiência é altamente satisfatória, chega a ser fascinante. A linguagem desse tipo de obra é totalmente diferente, já que requer a participação ativa do espectador para sua completude, visto que a narrativa se desenrola em 360º. Muitas vezes ocupa-se o lugar de um personagem através de planos subjetivos, fornecendo ainda mais imersão à experiência. Sem interferências do mundo externo, mergulha-se a fundo na história, captando novas camadas de compreensão a cada virada de cabeça.
Entre os filmes escolhidos pelo curador, o cineasta Michel Reilhac, estão obras que abordam os medos infantis pelos olhos de vista de um garoto (“Sergeant James”), os bastidores de uma filmagem (“On Set – Slack Bay”), um mergulho pelas profundezas (“Out of the Blue”) e um encontro sensual entre 7 pessoas (“Viens!), dirigido pelo próprio Reilhac.
Um dos mais impressionantes dentre a seleção é “Kinoscope”, que remonta a história do cinema em uma animação de 09 minutos. A viagem pela sétima arte começa com a clássica cena de “Uma Viagem à Lua”, de Mèlies, passando por sequências de “Cidadão Kane”, “Tempos Modernos” e “De Volta Para o Futuro”, dentre outros.
O espectador é devidamente colocado dentro de um táxi guiado por Travis Buckley (“Taxi Driver”) e conduzido por uma rua com prédios de filmes famosos, como o de “Caca-Fantasmas”. Em seguida, assiste à icônica luta entre A Noiva e O-Ren Ishii em solo japonês (“Kill Bill”). Caminhando entres décadas de produções cinematográficas que entraram para o imaginário coletivo, o curta oferece uma experiência extremamente divertida e envolvente. Ao final, a placa de Hollywood aparece e fogos de artifício com símbolos de filmes como “Star Wars” e “Tubarão” revelam o término da projeção.
A produção de cinema em realidade virtual infelizmente ainda é bastante escassa e de difícil acesso. Para aqueles que a assistem, mostra-se extremamente recompensadora. Diante disso, vale a pena conferir a mostra promovida pelo Festival Varilux de Cinema Francês. Garantimos que não irá se arrepender.
Informações sobre locais de exibição e a seleção de filmes estão disponíveis no site do Festival.