Por Luciana Ramos

Prestes a completar 40 anos, Samy Goldstein (Ricardo Darín) encontra-se bastante insatisfeito com o rumo que sua vida tomou: ansiava em escrever livros, mas contenta-se com esquetes para um programa de TV; sofre com as constantes interferências e reclamações da mãe (Henny Trayles) e irmã (Alejandra Darín); possui uma namorada mais pelo conforto do que por um arroubo romântico, e ela também não parece gostar muito de sua personalidade inquieta.

Absorto em paranoias, ele depara-se com uma escandalosa e estonteante mulher que o confunde com um psicanalista. Após os devidos esclarecimentos, os dois decidem jantar juntos e, diante de uma estranha, pela primeira vez em muito tempo, ele expõe verbalmente seu mar de insatisfações. A desprendida Mary (Angie Cepeda) toma as reclamações como um sinal divino e decide ajudá-lo a impulsionar sua carreira.

Os dois, porém, possuem ideias muito distintas do que isso significaria: enquanto ele libera sua agenda para finalmente dedicar-se à literatura, ela literalmente o joga em frente a uma câmera, já que vê no seu pessimismo um belo atrativo para um programa de TV. A contragosto, ele vai ganhando mais e mais popularidade, o que leva à conversão de seus pequenos esquetes sobre o cotidiano argentino em uma espécie de reality show em que todos (inclusive a sua mãe) parecem dominar as regras, menos ele.

“Samy e Eu” permanecia inédito no circuito comercial brasileiro até ter seus direitos comprados pelo serviço de streaming Belas Artes a La Carte, que oferece tanto assinaturas mensais como locações pontuais. Calcada no cinema de Woody Allen, a produção argentina explora o desconforto de um personagem imerso em um universo feminino que ele não consegue compreender com profundidade – daí brota a sua inesgotável fonte de frustrações, muito bem explanada em inúmeras narrações em off.

O tom satírico que permeia o longa de 2002, em especial na ânsia do público em consumir as desgraças alheias empacotadas em seguimentos televisivos, é o melhor ponto do filme. O mais interessante é que ele tanto atesta uma tendência da sua época quanto antecede a potencialização deste tipo de consumo passivo e sensacionalista ao nível absurdo que marca a atualidade. A acidez típica às críticas sociais é, aqui, muitíssimo diluída, o que mina a sua potência cinematográfica. O escritor e diretor Eduardo Milewicz claramente prefere optar pela amabilidade da comédia romântica, montando seus característicos encontros e desencontros em reviravoltas que nem sempre fazem sentido.

A contraposição entre gêneros provoca um choque estético indesejado, vide que o aspecto excessivamente teatral da produção está em compasso com o tom satírico, mas não combina com as pitadas de romance, culminando em um ar caricaturesco que não favorece a experiência do espectador. Não obstante, notam-se algumas lacunas na composição de situações e personagens, sendo o exemplo mais premente a própria Mary, que ascende na carreira televisiva como um foguete – e sem qualquer estudo que o justifique – e declina com a mesma rapidez.

Entre solavancos, “Samy e Eu” oferece alguns elementos interessantes, mas não consegue explorá-los, sofrendo para ater-se a um só tom. O filme vale a pena por Ricardo Darín que, ao incorporar a paranoia típica de Woody Allen, potencializa as situações cômicas e atesta a sua grandiosidade como ator.

Ficha Técnica

Ano: 2002

Duração: 85 min

Gênero: comédia, família, romance

Direção: Eduardo Milewicz

Elenco: Ricardo Darín, Angie Cepeda, Cristina Banegas, Hannes Trayles

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