Por Luciana Ramos
As universidades são, por concepção, fomentadoras de discussões que servem para cultivo do pensamento crítico. O debate centrado na contraposição de argumentos e pontos de vista amplia a percepção dos temas e, por conseguinte, permite propostas de caminhos melhores ou, por vezes, mais complexos. O que acontece quando um elemento essencial desse mecanismo, o diálogo, é subitamente interrompido? Quando ruídos se interpõem entre interlocutores e receptores? A minissérie “The Chair” se debruça sobre essas e outras tantas questões, desmontando o véu de finesse intelectual do ambiente acadêmico.
O fio condutor do arco narrativo é o uso inapropriado (e despreocupado) de simbologia odiosa em sala de aula, feita pelo professor Bill Dobson (Jay Duplass). Seu intuito de chamar atenção para o tema de sua aula soma-se à uma exposição caótica e desconstruída que reflete o seu caos emocional. O que ele ignora no alto de seus privilégios é o contexto contemporâneo, pautado pela linha tênue entre ressignificações e o cancelamento puro e simples. Cortado, editado e descontextualizado, seu gesto espalha-se rapidamente pelas redes sociais, pondo em risco não só seu trabalho como a reputação da Universidade de Pembroke.
O pepino recai sobre Ji-Yoon Kim (Sandra Oh), chefe do departamento de inglês. Recém-chegada ao cargo, sendo a primeira mulher a ocupar a cadeira referida no título da minissérie, ela é cobrada por todos os lados e se vê sem espaço de manejo. De fato, é tolhida em todos os assuntos que se propõe a promover mudanças.
“Sinto que alguém me deu uma bomba-relógio porque queriam uma mulher segurando quando explodisse”, diz em exasperação. Sua chegada a uma posição de poder lhe instigou a pensar em mudanças, sejam elas estruturais, como a condensação de cursos a fim de promover pontes entre os professores mais antigos e os novos, ou pontuais, pequenas inserções para alavancar o interesse dos alunos. Suas ideias são prontamente ignoradas pelo reitor (David Morse), que detém suas preocupações a matrículas ou apelo midiático – na forma de um convite de palestra inusitado.
O embate entre corporativismo e ambiente acadêmico resvala em outro tem que lhe é muito caro: a disparidade de tratamento e oportunidades entre homens e mulheres. “The Chair” expõe de maneira cristalina o sexismo, das aferições pessoais sobre a vida de Yi-Joon (que certamente não aconteceriam com um homem) à falta de valorização das professoras Yaz McKay (Nana Mensah) e Joan Hambling (Holland Taylor). São inúmeras as formas de ataques – da negligência às ofensas diretas – e há gradações importantes concernentes ao tom de pele e idade, que não podem ser desmerecidas. Em comum, há um ambiente opressor que espera de tais mulheres a submissão a regras injustas que as desvalorizam.
Adicionalmente, há a discussão muito bem conduzida sobre a vida familiar da protagonista: seu relacionamento complicado com a filha adotiva Juju (Everly Cargenilla), em franco processo de questionamento das suas origens, além das dificuldades práticas em conciliar trabalho e maternidade.
Tão aberta a proposições quanto as universidades deveriam ser, a minissérie criada por Amanda Peet e Annie Wyman evita fechar questões ou oferecer respostas, mantendo-se em campo aberto, sutil e sucinto. A escolha reflete-se em alguns problemas, como a pouca profundidade de algumas subtramas, como a de Yaz, ou mesmo nas repetições de argumentos. Ainda assim, consegue o fino equilíbrio em ser suficientemente leve e instigadora, muito devido às atuações.
Além de explorar o carisma de Sandra Oh, que oferece empatia em doses generosas nas interações com os demais personagens, também sabe aproveitar o talento do restante do elenco, que eleva o material tanto pelas inflexões quanto pela adição precisa do humor físico – com destaques para Taylor Holland e Jay Duplass, excelentes.
Em meio a professores brancos e idosos que há muito deixaram de se esforçar, profissionais negligenciados pela cor ou gênero e uma boa dose de escândalos, “The Chair” compõe um panorama hostil (porém, palatável) de um lugar que perdeu seu propósito e uma mulher determinada a reavê-lo, mesmo que não tenha ideia de como conseguir tal feito.
Ficha Técnica
Ano: 2021
Número de Episódios: 6
Nacionalidade: EUA
Gênero: comédia, drama
Criadores: Amanda Peet, Annie Wyman
Elenco: Sandra Oh, Taylor Holland, Jay Duplass, Bob Balaban, Nana Mensah, David Morse, Everly Carganilla