A era atual da televisão americana, tida como o ápice da criatividade narrativa e diversidade temática, vem sendo descrita como “peak tv”, alusão ao movimento do espectador em escolher o que deseja ver no momento mais conveniente, ao invés de programar suas atividades ao redor do horário de exibição do show favorito. Essa transição de hábito tem se mostrado contínua e a devoção ao streaming é apenas quebrada por fenômenos como “Game of Thrones”.
Diante deste cenário, foi surpreendente o impacto que a primeira temporada de “This Is Us” criou. Série televisiva da NBC, berço de programas como “Seinfeld”, “Friends” e “Plantão Médico”, ela foi concebida no modelo antigo, que exige o comprometimento semanal para embarcar na saga dos Pearson: os pais, Jack (Milo Ventimiglia) e Rebecca (Mandy Moore), e os filhos, Kate (Chrissy Metz), Kevin (Justin Hartley) e Randall (Sterling K. Brown).
Utilizando pequenas reviravoltas como trampolins narrativos, a série de Dan Fogelman constrói fragmentos das vidas das personagens, unindo passado e presente (sempre tematicamente relacionados). A conexão entre os episódios revela mais sobre cada um, de modo não só a justificar seus comportamentos individuais como a dinâmica familiar. Muita da sua relevância vem em escapar de formatos narrativos clichês, que exploram o pior dos seus núcleos, usando a carga dramática como sedução: neste tipo de construção, quanto mais precária for a situação dos envolvidos, melhor torna-se a série, em uma espécie de masoquismo em que o espectador é convidado a participar.
Em contraponto, “This Is Us” mostra-se, em linhas gerais, otimista por ter como essência o amor nutrido por essa família. A romantização da vida do “the big three” (como os irmãos se denominam) e seus pais, sentida em passagens em que obstáculos são superados a partir da união, fornece lições da importância desse elo e, assim, mostra-se capaz de provocar reações de puro júbilo.
Essa opção narrativa, embora tenha sido recebida extremamente bem, foi alvo de algumas críticas, que se embasavam no inevitável distanciamento da realidade. Por isso, o criador optou por mudar um pouco o rumo na segunda temporada, acentuando o sofrimento dos irmãos em detrimento de maior aprofundamento psicológico.
A cada semana, a positividade vinha sendo substituída pouco a pouco por uma melancolia, resultado da decisão de cada um deles em lidar com questões antes negligenciadas. Enquanto Kate sente necessidade de enfrentar a culpa pela morte do pai para conseguir manter um relacionamento com Toby (Chris Sullivan), Kevin vê-se obrigado a lidar com os seus vícios e Randall, o mais equilibrado dos três, põe a família à prova ao decidir adotar Déjà (Lyric Ross), uma forma de honrar o legado de Jack e Rebecca.
Estas jornadas são unidas pela subtrama envolvendo o súbito falecimento do patriarca, apontado em pequenas sequências, que culminam na reconstituição cronológica em um episódio especial. Este, não por acaso, foi exibido no dia do Superbowl, o dia de maior audiência da televisão americana. Tendo como base essa história ao invés de maior investimento nos dramas atuais, ficou clara a busca por saciar o desejo do espectador a qualquer custo e, para isso, explorar truques narrativos baratos, culminando em um alongamento excessivo que tirou um pouco do brilho da obra.
Como consequência, as lágrimas recorrentes do começo da série foram gradualmente mescladas com pitadas de frustração e enfado. O ápice desse caldeirão emocional foi o último episódio da segunda temporada. Nele, as inseguranças de Kate são perfeitamente contrapostas a solidez da lealdade de Randall e Kevin que, com a dose certa de humor, a guiam para o desfecho que ela merece. No entanto, toda essa jornada é atrapalhada pela inserção de uma realidade fantasiosa que explora o que a vida de cada um poderia ter sido.
Embora seja bonita, essa construção suaviza o impacto dos acontecimentos reais, provando-se, assim, desnecessária. Não obstante, ao final, há a promessa de novos mistérios, a serem destrinchados em episódios por vir. O uso reiterado desse artifício revela uma falta de confiança por parte do criador no seu material bruto. A jornada de seus personagens pelo mundo, com seus dilemas e pequenas alegrias, é o que torna a obra relacionável e tão catártica. Esse cerne não pode ser subtraído por questões efêmeras que parecem ter como objetivo único a caça pela audiência.
Assim, a série deve fazer o que suas personagens discursaram ao longo da temporada mais recente: seguir em frente, buscando se aprofundar cada vez mais na vida dos irmãos Pearson, demonstrando a riqueza que cada pequena experiência pode conter. Porém, cabe dizer que, mesmo dotada de imperfeições, “This Is Us” continua extremamente relevante por pautar-se fundamentalmente no amor, algo que, em tempos de tamanha intolerância, denota uma certa dose de coragem.
Pôster
Ficha Técnica
Ano: 2016 – (em andamento)
Número de Episódios: 18 por temporada
Nacionalidade: EUA
Gênero: drama
Criador: Dan Fogelman
Elenco: Mandy Moore, Milo Ventimiglia, Chrissy Metz, Sterling K. Brown, Justin Hartley, Susan Kelechi Watson, Chris Sullivan
Trailer:
https://youtu.be/LT-STaJAhAQ
Imagens: