Por Luciana Ramos

 

Ao longo de sete anos, “The Good Wife” tornou-se um símbolo de excelência da dramaturgia americana recente. No centro, estava Alicia Florrick que, depois de ser humilhada publicamente pelas ações do marido político, se viu obrigada a retomar a carreira de advogada na firma Gardner & Lochkart. Com uma estrutura de episódios bem definida, a série se apresentava como um drama legal refinado…até que, na última cena do episódio final, uma atitude da protagonista muda completamente a interpretação dos espectadores sobre a sua jornada – uma escolha ousada dos criadores Michelle e Robert King que elevou o material escrito até o momento.

Perifericamente às experiências de Alicia, estavam os casos legais que sua firma assumia, conflitos com outros setores do sistema jurídico e até a revelação dos mecanismos mais podres do governo americano, como a vigilância irrestrita do NSA (Agência de Segurança Nacional), órgão denunciado durante o Governo Obama. A inclusão de temas latentes à sociedade compunha o verdadeiro atrativo de “The Good Wife”: mais do que uma história individual, o seriado foi, durante seus anos de exibição, um registro da condução da sociedade americana.

Por isso, seu término foi encarado com pesar pelos seus fãs. Tendo em vista a lacuna deixada pela atração, a CBS decidiu apostar em um spin off, feito exclusivamente para o seu canal de streaming CBS All Acess (e exibido no Brasil pela Amazon Prime). “The Good Fight” manteve personagens adorados como Diane Lockhart (Christine Baranski), Lucca Quinn (Cush Jumbo) e Marissa Gold (Sarah Steele), agora exercendo suas funções em um novo ambiente: o escritório Reddick, Boseman & Kolstad.

A primeira temporada começa com Diane fazendo planos para uma luxuosa aposentadoria. A explosão de um escândalo comandado pelo economista Henry Lindell (Paul Guilfoylle), que fraudou investimentos e roubou dezenas de pessoas, afeta-a diretamente. Forçada a voltar ao trabalho, ela é contratada por Adrian Boseman (Delroy Lindo), advogado que oscila entre o ativismo que o torna conhecido e os casos menores, mais lucrativos, que sustentam sua firma. Suas ideias o levam ao conflito incessante com a sua sócia, Barbara Kolstad (Erica Tazel), que não vê com bons olhos a chegada de Diane.

 

 

Esta, por sua vez, conta com o apoio de Marissa, filha de Eli Gold, que vira sua assistente, e Maia Lindell, filha de Henry e sua afilhada. Recém-formada em Direito, esta vê no novo emprego a oportunidade de superar o escândalo familiar. Com a inserção desta personagem, “The Good Fight” desloca-se da estrutura da série predecessora, centrando sua primeira temporada essencialmente nos dramas familiar e jurídico de Maia. Os demais casos legais e personagens assumem papel periférico na composição narrativa.

Esse plano, no entanto, não rendeu bons frutos por razoes óbvias, sendo a maior o delineamento deficitário da protagonista. Ela é dotada de tamanha ingenuidade que ignora sinais claros ao seu redor, um recurso que visa estender a trama, mas se mostra rapidamente cansativo. Não obstante, falta a atriz que a interpreta, Rose Leslie, uma presença forte e imponente, atributo imprescindível de uma personagem com seu peso. Por fim, perdeu-se, nessa empreitada, o afinco em debater temas relevantes.

A repercussão morna levou os criadores a reformularem totalmente a série na sua segunda temporada, trabalhando bem com elementos diversos que concederam peso a narrativa. Barbara Kolstad foi substituída por Liz Reddick, uma interessante adição tanto pelo talento e sofisticação de Audra McDonald quanto pelo passado que a personagem compartilha com Adrian, criando assim um ponto de tensão. Ela ainda serve de contraponto à Diane, ora sua amiga, ora sua inimiga, estabelecendo essas duas personagens femininas de peso como forças-motriz da série.

Ao passo que Lockhart ganha muito mais destaque, Maia é relegada a suas funções de advogada, uma dinâmica que funciona muito melhor, em especial quando acompanhada de Marissa e Lucca – um trio baseado na amizade que serve para suavizar o peso dramático. Em seu romance instável romance com o promotor Colin Morello (Justin Bartha), Quinn ainda contribui como alívio cômico – e a interação dos dois, em especial quando envolve a mãe dele, proporcionam algumas das melhores cenas.

 

 

Todos esses elementos são trabalhados na lógica dual comum a dramas de tribunais: a intersecção entre casos que se resolvem em um único episódio com uma trama que costura toda a temporada. Esta explora uma ideia provocativa: a de um serial killer que prega a morte de todos os advogados. A tensão criada afeta direta ou indiretamente todos os personagens, levando-os a tomarem atitudes mais drásticas frente as situações que se apresentam.

As mudanças estruturais feitas pelos criadores incluíram a reincorporação do debate de temas atuais e bastante polêmicos, como a extradição dos chamados “dreamers” (cidadãos não americanos que imigraram para o país ainda pequenos), micro direcionamento de informações em redes sociais, fake news e a ascensão da extrema direita, entre outros. O tratamento desses assuntos é feito sob a ótica dos democratas (levando-se em conta a separação partidária americana), que constituem a maioria dos personagens – somente constestados por Julian (Michael Boatman), que sofre recriminações dos colegas por ser republicano.

O jogo político tecido pela série, acirrado pela inclusão do impeachment do presidente Trump como pauta, concedeu à “The Good Fight” relevância pelo posicionamento claro dos seus criadores contra o atual governo americano. Enquanto outros seriados ensaiam críticas esparsas a Donald Trump e “Roseanne” fracassou em advogar por sua defesa (sendo cancelado após um escândalo no Twitter), Robert e Michelle King foram um (ousado) passo além, declarando-se abertamente contra os rumos tomados pelos Estados Unidos desde a última transição eleitoral e, semana após semana, estabelecendo-se como uma oposição clara e muito bem articulada.

Apesar de debater temas essenciais à realidade americana, a série se mostra extremamente interessante ao público brasileiro. Em primeira instância, há a universalidade de alguns debates, como a manipulação de informações via redes sociais e os perigos de relativismos éticos, facilmente notados na nossa construção social e política. Em um patamar menos racional, mostra-se um excelente drama, unindo tensão, suspense, conflitos interpessoais, pitadas de cinismo e muito humor em um caldeirão muito interessante. A segunda temporada de “The Good Fight” levou a série a um patamar elevado de entretenimento, que merece ser visto pela elegância e inteligência com que Michelle e Robert King debatem a sociedade americana através do microcosmo de uma firma de advocacia.

 

Pôster

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ficha Técnica

 

Ano: 2017 – (em andamento)

Número de Episódios: 10 (por temporada)

Nacionalidade: EUA

Gênero: drama

Criadores: Robert King, Michelle King

Elenco: Christine Baranski, Rose Leslie, Cush Jumbo, Delroy Lindo, Sarah Steele, Nyambi Nyambi, Justin Bartha, Michael Boatman, Erica Tazel, Audra McDonald

 

Trailer:

 

https://youtu.be/JsZ2kejlHF8

 

Imagens:

 

 

Avaliação do Filme

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