Por Luciana Ramos

 

Sentado no seu confortável apartamento nova-iorquino, Marcus Goldman (Ben Schnetzer) lutava com sua mente em frente ao computador, que parecia zombar dele. Pressionado pelo editor com o fim do prazo para entregar seu segundo livro (e sem ideia alguma), ele decide viajar até a cidadezinha de Sommerdale, a qual parecia ter esquecido após conquistar a fama, para reencontrar o antigo amigo Harry Quebert (Patrick Dempsey, que também é produtor executivo da série).

A esperança que mantinha em receber ajuda no desenvolvimento de uma nova historia do seu antigo mentor é subitamente interrompida quando este é preso após a descoberta de um corpo enterrado em seu quintal: trata-se da jovem Nola Kellergan (Kristine Froseth), que desapareceu em 1975 aos quinze anos e foi achada enterrada junto ao manuscrito original do livro que catapultou a carreira de Quebert, “A Origem do Mal”.

Marcus, tomado por uma mistura de espanto e descrédito, decide ficar e investigar o que ocorreu há mais de 30 anos (a série se passa em 2008) em um lugar aparentemente tão pacato – e pior, envolvendo alguém que considerava tão próximo. Porém, sua imersão em uma história antiga e sombria é marcada por uma série de ameaças, que crescem conforme ele avança no caso e, assim, alimentam sua certeza de que se aproxima da verdade.

O seu desconhecimento criminal, gargalo para construção de uma narrativa sólida dos acontecimentos, é remediado quando consegue a ajuda relutante do detetive Perry Galahawood (Damon Wayans Jr.), responsável pela reabertura do caso. A cada versão que ouvem, aparece outra que a contradiz; cada pequena descoberta que fazem é suprimida por algum fato que desmonta a lógica investigativa. Os dois homens não demoram a descobrir que em Sommerdale, por baixo do véu de gentileza típico de pequenas comunidades, escondem-se segredos e condutas que questionam as definições de moral, justiça e verdade.

A minissérie, adaptada do livro homônimo de imenso sucesso de Joël Dicker (que na época do lançamento veio à FLIP para promovê-lo), acompanha o desenrolar dos eventos na ordem imposta no livro, um caminho bastante acertado, visto o trabalho meticuloso do autor em emaranhar os fatos em uma série de versões contraditórias que, por sua vez, desembocavam em inúmeras reviravoltas, que vão se intensificando conforme o avanço das investigações.

Saltando entre a experiência de Marcus em 2008 e os flashbacks, focados nas jornadas de Nola e Harry no verão de 1975, a minissérie consegue construir uma narrativa bem ritmada, que apela à curiosidade do espectador e seu senso investigativo e consegue surpreendê-lo pelas inúmeras reconfigurações dos eventos sob novos ângulos – um trunfo herdado do talento literário de Dicker.

Em contraponto, o roteiro da minissérie sofre algumas simplificações que, embora necessárias para condensar a narrativa em dez episódios, acabam tornando a adaptação excessivamente romantizada ou mesmo estereotipada em alguns momentos. São os casos, por exemplo, da apresentação de Luther Caleb (Joshua Close), da afetação da personagem Tamara (Virginia Madsen) ou da cena em que Harry e Nola se conhecem.

Essas pequenas “cafonices” que causam estranhamento ao começo diluem-se conforme a trama desloca o foco romântico para o investigativo, mudança que ajuda a dirimir também a falta de inspiração da direção estática e simplista de Jean-Jacques Annaud.

Entre tropeços formais e apelos narrativos, “A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert” adequa-se ao tipo de entretenimento feito para ser consumido rapidamente, uma obra reconfortante que sabe balancear mistério, romance e cinismo e, ademais, engajar o público na caçada pelo assassino de Nola Kellergan.

Ficha Técnica

Ano: 2020

Número de Episódios: 10

Nacionalidade: EUA

Gênero: crime, drama, mistério

Criadores: Lyn Greene, Richard Levine, Jean-Jacques Annaud

Elenco: Patrick Dempsey, Ben Schnetzer, Damon Wayans Jr., Kristine Froseth, Victoria Clark, Virginia Madsen

Avaliação do Filme

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