Concebido por Louis B. Mayer como uma forma de manter seus funcionários felizes (e longe das tão temidas greves), o Oscar moldou-se ao longo de seus noventa anos como a mais importante cerimônia de premiação da indústria cinematográfica. Todo ano, reúnem-se entre os indicados filmes que obtiveram excelência narrativa e/ou estética, foram socialmente relevantes ou trouxeram frescor para o cinema.

Sendo a escolha de tais títulos feita a partir de votações da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, algumas críticas são cabíveis, como a de pouca representatividade da seleção. Afim de sanar tais questões, o conselho comandado por John Bailey, presidente da Academia, apostou no aumento expressivo do número de seus membros, um esforço para retirar a premiação do seu patamar elitista e, assim, abraçar a diversidade cultural inerente à produção cinematográfica.

Ainda assim, essa iniciativa recebeu críticas por, no ímpeto de cumprir sua meta de diversidade, convidar pessoas muito mais relacionadas ao mundo da televisão (como a atriz Christine Baranski) ou com pouca experiencia técnica (como Greta Gerwig, convidada como diretora após sua primeira incursão solo neste papel). No entanto, estes questionamentos soam ínfimos diante da repercussão dos novos anúncios da Academia.

Uma carta pública assinada por Bailey e o CEO Dawn Hudson descreveu três mudanças fundamentais nas futuras premiações. A menos impactante diz respeito à data do Oscar: em um esforço para se aproximar das demais premiações, ele passará a ser sediado no primeiro domingo de fevereiro a partir de 2020. O evento do ano que vem, no entanto, será mantido no seu cronograma original, 24 de fevereiro de 2019. Essa não é a primeira vez que a cerimônia é antecipada: tradicionalmente, o Oscar acontecia em abril, mudou para março e, depois, para fevereiro. Porém, cabe dizer que as alterações passadas acarretaram também na antecipação das datas dos demais eventos do tipo, como o Globo de Ouro e o SAG.

A segunda alteração possui implicações mais graves, principalmente considerando a mensagem implícita a ela. Foi anunciado que a premiação, conhecida por alongar-se, não passará mais das três horas de duração. Com isso, nem todas as categorias serão televisionadas; alguns prêmios serão entregues em intervalos comerciais e exibidos posteriormente através de uma rápida montagem. Ora, sendo o mais prestigioso prêmio do cinema, o Oscar é uma excelente plataforma de visibilidade, a oportunidade de alguns diretores e roteiristas, por exemplo, de apresentarem-se ao público – e angariarem o interesse de investidores.

Mais grave, no entanto, é a mensagem passada por esta decisão: a hierarquização das categorias, um desmerecimento dos profissionais escolhidos nos intervalos comerciais, a mensagem de que suas contribuições para o cinema não são tão relevantes quanto a escolha de Melhor Ator ou Melhor Roteiro. De fato, alguns candidatos a prêmios técnicos pouco visados como Melhor Figurino e Melhor Edição de Som são recorrentes, atestado das suas capacidades individuais e, consequentemente, do impacto dos seus trabalhos na indústria.

A mais polêmica medida, no entanto, foi a inclusão de uma nova categoria: Outstanding Achievement in Popular Film, nada mais do que a premiação de um blockbuster. Recebida com extrema negatividade, esta mudança em particular também propõe outra reflexão, a de que filmes de grande sucesso comercial não estão aptos a disputarem na categoria principal – e isso tem uma fundamentação histórica.

Em 2008, “Batman: Cavaleiro das Trevas” foi agraciado com indicações em diversas categorias – mas não em Melhor Filme, algo intensamente criticado pelos cinéfilos e profissionais da área. Como forma de abrir espaço para este tipo de obra, houve o aumento do número de indicados a categoria principal, de cinco para dez. Em conjunto com a renovação dos membros da Academia, esta medida abriu espaço para que filmes como “Mad Max: Estrada da Fúria” e “A Origem” pudessem concorrer.

Neste ano, dois blockbusters foram aclamados o suficiente para fazerem seus estúdios (Paramount e Disney, respectivamente) investirem em campanhas para o Oscar: Um Lugar Silencioso e Pantera Negra. Teme-se que a abertura para suas indicações como “Melhor Filme Popular” junto a longas de qualidade inferior (e grande impacto nas bilheterias) mostre-se suficiente para seus membros apenas o considerarem pelo apelo comercial. Dessa forma, o teor artístico seria desmerecido. Afinal, ser um blockbuster não deveria ser um demérito.

Essa alegação, amplamente difundida após o anúncio, tem um fundo de verdade: a criação de “Melhor Animação” em 2001 consolidou a ideia deste estilo como “inferior”, separado dos demais, como se o fato de o longa ser animado não fosse forte o suficiente para fazê-lo ganhar como o melhor filme do ano. Nos seus dezessete anos, pouquíssimos filmes conseguiram concorrer nesta categoria, sem chance real de serem premiados. Os animadores hollywoodianos, em sua maioria, pedem a extinção dessa separação para que suas obras possam concorrer em pé de igualdade com os live-actions.

Não obstante, deriva-se outro questionamento desta decisão: o caráter seletivo do Oscar, que tem por objetivo premiar os melhores do ano (por mais que isso proponha um caráter subjetivo de análise). O desespero em incluir filmes populares pode acarretar na indicação de produções pouco merecedoras, que ponham em voga a reputação da Academia.

Ademais, cabe ressaltar que as medidas anunciadas têm a clara intenção de atrair mais audiência para o evento televisionado, mas dificilmente uma pessoa que não possua o interesse atual em acompanhar os vencedores do Oscar ligará a TV pela inclusão de algum blockbuster.

Em suma, as mudanças propostas pela Academia parecem insensatas, populistas e podem prejudicar muito mais do que o previsto.

 

Nota: o anúncio de alterações na premiação vem um dia depois da reeleição de John Bailey no cargo de Presidente da Academia. É o seu segundo ano na função, sendo sucessor de Cheryl Isaac Boones. Durante seu mandato, ele foi alvo de acusações de assédio sexual mas, após investigação, foi declarado inocente pelo conselho e permaneceu na função.

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