Por Luciana Ramos

 

Ao amante da sétima arte, não falta material acerca do nascimento do cinema. Algumas discussões sobre a sua concepção podem mostrar-se frutíferas; outras, sobre os seus pioneiros, parecem ser unânimes: os irmãos Lumière, Chaplin, Mèlies, Griffith são nomes constantes que evocam a criatividade dos primeiros artesãos do cinema.

O que o documentário “E a Mulher Criou Hollywood” elucida é o fato de que tal “história do cinema” foi escrita pelos seus vencedores. Em outras palavras: na década de 40, ao olhar retrospectivamente afim de tecer uma narrativa coerente sobre a arte visual, foram escolhidos a dedo os seus protagonistas, deixando de lado figuras femininas importantes do processo.

Essa foi a conclusão de uma jornalista que se deparou com milhares de fotografias raras de bastidores dos primórdios da produção cinematográfica, onde testemunhou, por exemplo, Doroth Azner posando no set e Ida Lupino ao lado de uma câmera. Sua indagação a levou à pesquisa e exposição do fundamental papel das mulheres na idealização e amadurecimento do cinema, considerando que na década de 1920 elas eram maioria – e ocupavam posições de poder, como a direção e o roteiro.

 

Por meio de depoimentos de expoentes mais novos da indústria cinematográfica, como a produtora Paula Wagner, o espectador é convidado a tomar conhecimento sobre a vida e obra de verdadeiras pioneiras que, em grande parte, foram empurradas para o ostracismo quando o cinema de fato tornou-se uma grande fábrica de filmes. O flerte do gênero com esse tipo de arte veio das oportunidades oferecidas, tanto sociais quanto criativas, a possibilidade de firmar um nome em um terreno ainda não explorado e, dessa forma, viver com um pouco de mais liberdade e respeito.

De experimentações, surgiram Alice Guy-Blaché, que precedeu seu famoso pupilo Mèlies na criação da primeira narrativa; Lois Weber, dona de um estúdio com o seu nome; Frances Marion, roteirista mais bem paga de Hollywood da época; Ida Lupino, produtora independente de imenso sucesso e até Mary Pickford, mocinha dos filmes mudos que foi a primeira a vislumbrar o potencial da construção de uma marca em torno da figura do ator e que, mais tarde, fundaria com Chaplin, Douglas Fairbanks Jr. e D.W. Griffith a United Artists.

Ida Lupino

Ida Lupino

As características exemplares de cada uma dessas mulheres é detalhada e contraposta aos depoimentos de exponenciais femininos mais novos, como a produtora Paula Wagner. A cada relato, há a reiteração das dificuldades de reconhecimento e abusos do ambiente de trabalho.

 

Por meio de uma construção retórica, o documentário aponta a sistematização dos filmes (encarados como produtos comerciais) e a paralela quebra da Bolsa como fatores de afastamento do capital intelectual feminino. Agora reconhecida pelo seu viés capitalista, a Hollywood da década de 40 e 50 substituiu as mulheres e imigrantes por homens de terno vindos de Wall Street. Os relatos estatísticos desde então denotam a imensa dificuldade de reinserção em um mercado que um dia foi dominado por elas. Sem oferecer respostas ou ao menos um sinal, o documentário acaba na tentativa de listar as poucas mulheres em atividade em Hollywood hoje em dia, denotando a luta para combater o sexismo diariamente.

Considerando o incrível disparate entre gêneros, uma sensação de melancolia desesperançosa se faz presente. De fato, há ainda muito que se caminhar para que as mulheres consigam expressar suas veias artísticas no mesmo motante que os homens, em especial em um negocio conservador, liderado por eles e que muitas vezes põe o capital em primeiro plano. Ainda assim, um documentário simples como “A Mulher Criou Hollywood” propõe-se a resgatar o valor de mulheres importantes na história do cinema enquanto arte, valorizá-las e usá-las de inspiração para outras mulheres que desejem trabalhar na área. Por isso, torna-se imperdível e deve ser assistido mais de uma vez.

 

Ficha técnica


Ano:

Duração: 70 min

Nacionalidade: EUA

Gênero: documentário

Diretor: Clara Kuperberg, Julia Kuperberg

Imagens:

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