Por Luciana Ramos
Transitando em uma era pós-Thanos, a Marvel se vê desafiada a reter o engajamento do público em novas histórias que devem cumprir uma função dupla: apelar à devoção através do reforço de temas queridos e abrir espaço para uma renovação total da franquia, necessária para sobrevivência desse modelo de entretenimento.
Nesse escopo, as séries da Disney+ atuam como vitrines de novos super-heróis, que ganham o devido tempo para serem apresentados em jornadas curtas que definem suas personalidades, poderes e possíveis posicionamentos na MCU. De maneira positiva e surpreendente, a empresa optou por ampliar sua representatividade ao produzir “Ms. Marvel”, história recente do universo das HQs que retrata uma super-heroína mulçumana de origem paquistanesa.
Kamala Khan (a carismática Iman Vellani) é uma jovem que mora em Nova Jersey e divide o tempo entre problemas escolares, obrigações culturais e religiosas, além do culto à figura de Carol Danvers, a Capitã Marvel. Como qualquer adolescente, possui certo medo dos seus pais, mas desafia a autoridade deles ao comparecer à AvengerCon. A fim de realçar a fantasia que usa em um concurso de cosplay, ela coloca um bracelete antigo de família, mas, ao usá-lo, descobre que este desencadeia poderes mágicos.
Seu melhor amigo Bruno (Matt Lintz), um jovem prodígio com talento para a pesquisa cientifica, se propõe a estudar as funcionalidades do artefato e ajudá-la na concepção de um disfarce eficaz. Um certo clima de romance brota entre eles, mas é subitamente interrompido com a aparição de Kamran (Rish Shah), um rapaz descolado que fala com falso sotaque inglês e parece conhecer mais sobre a origem dos poderes da família Khan que deseja transparecer. Seu charme atrai a protagonista ao convívio de um grupo intitulado Véu, extremamente interessado em possuir o bracelete. Navegando em um terreno desconhecido, Kamala decide investigar a origem da sua família como forma de reconhecer a verdade e, assim, saber como agir. Para isso, precisa viajar ao Paquistão e se devotar a entender o conturbado momento histórico que delineou o seu povo.
Sem dúvidas um marco na construção da Marvel, a série muito se beneficia da riqueza de costumes, cores e ritos mulçumanos, retratados a partir do viés imigratório. Esse componente ganha ainda mais relevância quando é enfatizado pela contraposição entre Kamala – uma jovem americanizada e que vê com certo enfado algumas obrigações – e sua amiga Nakia (Yasmeen Fletcher), ou mesmo o irmão Aamir (Saagar Shaikh). Seu ponto de vista é explorado pela adição de recursos visuais animados que ajudam a traduzir seu olhar para o espectador, auxiliando também no estabelecimento do engajamento emocional. Referência à conteúdos adolescentes como a série “Lizzie Maguire”, a ferramenta torna a narrativa é bastante didática e casa muito bem com a personalidade levemente debochada da protagonista.
Porém, há certa inconstância na sua adoção e este problema se traduz em quase todos os desdobramentos da série: personagens, subtramas, poderes e estilos aparecem e desaparecem sem qualquer ordenamento, causando um incontestável declínio qualitativo no decorrer dos episódios. O que começa como uma divertida narrativa que cruza superpoderes com dilemas adolescentes descamba na reconstrução professoral da história do Paquistão. Os escritores não parecem saber como apresentar essa (essencial) aba temática de uma maneira interessante e acabam guiando “Ms. Marvel” para um patamar de mediocridade, que já vitimou outras produções recentes, como “Cavaleiro da Lua”.
Para piorar, a série demonstra não saber como costurar seus episódios em um arco sólido, juntando elementos de maneira desengonçada em um final também muito preocupado em atender à moda de resoluções em grupo. Embora prejudique a obra como um todo, a bagunça do roteiro não é capaz de anular os pontos positivos, como a diversidade cultural ou complexidade dos personagens. Porém, o gosto meio amargo que fica ao final da série atesta a necessidade da Marvel de reavaliar seus produtos, diminuir a ênfase em quantidade e passar a focar novamente em uma construção mais rebuscada – embora narrativamente simples – de novos produtos, já que foi esse o grande trunfo que conduziu a empresa ao sucesso.
Ficha Técnica
Ano: (2022 – em andamento)
Número de Episódios: 6
Nacionalidade: EUA
Gênero: ação, aventura, comédia
Criador: Bisha K. Ali
Elenco: Iman Vellani, Matt Lintz, Zenobia Shroff, Yasmeen Fletcher, Rish Shah, Mohan Kapur, Saagar Shaikh