Por Luciana Ramos

 

Alan Strauss (Steve Carell) é um psicólogo famoso que mantém uma rotina pacífica entre atendimentos. Um dia, depara-se com um paciente pouco usual, que se esconde atras dos óculos e recusa a fornecer detalhes de sua vida pessoal. A sua insistência em estabelecer uma relação mais genuína desemboca em um movimento perigoso: encorajado pela percepção de que o tratamento não está funcionando, Sam (Domhnall Gleeson) sequestra Alan e o prende no porão da sua casa.

Estabelece-se assim o início de um jogo macabro. Acorrentado pelos pés, o psicólogo tenta barganhar sua soltura e se defronta com a limitação cognitiva/emocional de seu paciente, visto que Sam, além de confessar ser um serial killer, parece não entender conceitos básicos de convivência social. Porém, ainda que apresente a falta de empatia típica a pessoas do tipo, ele sofre cada vez que tira uma vida – não pelo sentimento de culpa, mas pela incapacidade de refrear seus impulsos. Sente, portanto, falta de controle, e exige do doutor soluções mais instantâneas do que uma terapia convencional é capaz de proporcionar.

O mais interessante em “O Paciente”, minissérie concebida por Joel Fields e Joseph Weisberg (do ótimo “The Americans”), é o embate entre duas dimensões distintas dos seres humanos, personificadas nos personagens principais. Alan é estritamente cerebral, analisando e repassando cada detalhe da sua interação com Sam em sua cabeça. O tempo todo, observa o ambiente ao redor e pensa em maneiras elaboradas de escapar. Por vezes, imagina suas pulsões mais violentas se concretizando, embora tenha sido moldado à passividade. Em meio a tudo isso, desenvolve certa empatia por seu algoz, revelando uma dimensão emocional considerável.

Já o assassino, apresenta carências latentes e se acha no direito de estabelecer um julgamento moral que guia quem merece viver ou morrer. Embora inteligente, possui certa infantilidade ao agir, notado no modo como impõe os seus desejos e não aguenta ser contrariado. Ele não consegue compreender certos aspectos de sua natureza, mas é capaz de racionalizar os momentos-chave que o transformaram em quem é.

Entre os dois, são traçadas discussões interessantes sobre relacionamentos fraternais, amplamente debatidos tanto nas sessões quanto nos fragmentos de vida externa de cada um. Ao ser encorajado a reviver o seu passado, o psicólogo explora o conflito com Ezra e repensa a sua religião, o judaísmo, de duas formas conflitantes: como valor histórico, cultural e de exaltação e, por outro lado, como crença limitante (na sua concepção). Esse ponto é bastante importante na narrativa, pois reflete a percepção de Alan sobre como ele se enxerga, ao mesmo que traça os seus limites sociais e cognitivos.

Embora abarque tantas reflexões, “O Paciente” está bem longe de ser uma minissérie engessada ou excessivamente teórica. Os curtos episódios – com cerca de trinta minutos – costuram desdobramentos interessantes na relação entre os dois e, quase invariavelmente, resultam em plot twists bem colocados ao final, que alimentam a sede pelo binge watching.

Certamente, a produção se segura muito em razão das atuações primorosas de Steve Carell e Domhnall Gleeson. Mais conhecido por papeis cômicos, Carell vêm diversificando seus projetos e acerta na performance como o Dr. Strauss, pois consegue oscilar com convicção entre o desespero e comedimento. Em certo modo, Gleeson faz o mesmo, mas se destaca nos momentos em que revela uma faceta mais perturbadora de Sam, projetando uma raiva bestial realmente convincente.

Juntos, eles ditam o ritmo da produção, que deixa um pouco a desejar na estruturação da história em um ambiente tão confinado: a narrativa cresce como um todo quando dá espaço a alusões metafóricas e psíquicas, mas nem sempre opta por este caminho. Algumas subtramas, como a vida pregressa com Mary (Emily Davis) ou maiores detalhes do cotidiano infantil de Sam, não são exploradas ao máximo, mas são contrabalançadas pelo investimento na tensão entre os personagens.

Enigmático, envolvente e muito bem produzida, “O Paciente” suscita questionamentos bem-vindos em uma trama de suspense muito bem construída.

Ficha Técnica

Ano: 2022

Número de Episódios: 10

Nacionalidade: EUA

Gênero: suspense, crime, drama

Criadores: Joel Fields, Joseph Weisberg

Elenco: Steve Carell, Domhnall Gleeson, Laura Niemi, Andrew Leeds, Emily Davis, Linda Emond, David Alan Grier

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