Por Murillo Trevisan

Renomada pela forma como retrata os super-heróis, “The Boys” – quadrinhos de Garth Ennis (criador de Preacher) e Darick Robertson – é uma das obras mais polêmicas da atualidade. Seu conteúdo é tamanho perturbador, que chegou a ser cancelada pela DC Comics – onde foi publicada inicialmente – por considerar a história depravada “até demais”. Com uma trama repleta de violência, escatologia e sexo explícito, ela foi considerada inadaptável e percorreu uma jornada de mais de dez anos até se tornar uma série na Amazon Prime Video.

O projeto começou em 2008, quando a Columbia Pictures, uma divisão da Sony Pictures, adquiriu os direitos cinematográficos da HQ. Porém, ficou engavetado até 2010, quando foi anunciado que Adam McKay (“A Grande Aposta”) o adaptaria para um longa. McKay até contactou Russell Crowe (“Gladiador”), a quem ofereceu o papel principal, mas posteriormente o filme foi cancelado. Meses depois, o diretor anunciou em suas redes sociais que a Paramount havia adquirido os direitos e que o filme estava novamente em desenvolvimento, mas também não foi pra frente por ter sido considerado muito caro.

Em 2015, Seth Rogen e Evan Goldberg (“A Entrevista”) se uniram a Erick Kripke, criador de “Supernatural”, para desenvolver uma série de TV para o canal Cinemax, que também rejeitou por conta do alto orçamento. Em seguida, Rogen e Goldberg passaram a se dedicar à produção de Preacher, série baseada em outra HQ de Garth Ennis, que estreou em 2016 na AMC. O seriado fez tanto sucesso que chamou a atenção da Amazon Prime Video, que por sua vez encomendou a primeira temporada de “The Boys”.

A série chega em um timing perfeito, quando os filmes de Super-Heróis estão em alta, quebrando recordes de bilheteria e chegando à beira da saturação. “The Boys” reimagina um mundo em que os super-heróis não passam de figuras egocêntricas, que são populares como celebridades, tão influentes quanto políticos e adorados como deuses, abusando de seus poderes ao invés de usá-los para fazer o bem. Para impedir esses abusos, surge uma resistência denominada The Boys, que se comprometem a expor a verdade sobre “Os Sete” – a mais famosa equipe de heróis – e a Vought (conglomerado multibilionário que os administra).

Tudo tem início quando Hughie (Jack Quaid), um funcionário de loja de eletrônicos vê sua namorada explodir na sua frente após ter sido atropelada, de forma inconsequente, pelo velocista Trem-Bala (Jessie T. Usher). De luto e sem rumo, ele conhece o agente federal Billy Bruto (Karl Urban), que propõe então uma vingança contra “Os Sete”. A equipe composta pelo Patriota (Antony Starr), Rainha Maeve (Dominique McElligott), Profundo (Chance Crawford), Sombra Negra (Nathan Mitchell), Translúcido (Alex Hassell) e a novata Luz-Estelar (Erin Moriarty) é claramente uma alusão à “Liga da Justiça”, na qual as principais características de seus integrantes se assemelham às dos heróis da DC.

Para enfrentar os poderosos deuses, Billy e Hughie se unem com o especialista em armas Francês (Tomer Capon), o investigador Leitinho (Laz Alonso) e a letal Kimiko (Karen Fukuhara). A série aborda de forma organizada a aparição dos personagens, sendo apresentado um em cada episódio – da primeira metade – dando o tempo de tela necessário para que o espectador conheça, entenda e se importe com cada um. Nenhum é deixado de lado, explicitando ainda mais a importância do espírito de equipe.

Pelo outro lado, a narrativa nos coloca do ponto de vista de Annie, a Luz-Estelar, última heroína a entrar para o grupo dos “Sete”. A garota cheia de princípios e vontade de salvar o mundo, se vê extremamente decepcionada quando descobre que as nobres atitudes de seus ídolos de infância não passavam de puro marketing da Vought, no jogo capitalista de transformar seus heróis em commodities. A situação se agrava ainda mais quando ela sofre assédio sexual de um dos membros da equipe, colocando a dúvida em sua cabeça se deve denunciar ou não.

A adaptação traz uma atualização pertinente para a HQ de 2006. O atual momento de falsa identidade e manipulação das massas provocado pelas mídias sociais é aproveitado de forma satisfatória na série, representando perfeitamente a essência da mensagem que Ennis queria transmitir. A infundada ideia de que essas celebridades são como deuses para seus seguidores se tornam ainda mais explícitas quando usam seus poderes para cometer abusos, enquanto suas divinas imagens são fabricadas.

Jack Quaid (filho dos atores Dennis Quaid e Meg Ryan), encanta com o carisma e tom sereno com que conduz o protagonista, mas quem rouba a cena são os veteranos Elisabeth Shue (“Despedida em Las Vegas”) e Karl Urban (“Dredd”), que se contrapõe nos dois lados da trama. Enquanto uma faz a vilã com instinto materno aflorado, o outro é extremamente babaca buscando justiça. Antony Starr também convence vestindo o uniforme do Patriota, uma versão cínica do Superman, transmitindo de forma convincente o pavor de todo o mal que ele é capaz de prover.

Os produtores Evan Goldberg e Seth Rogen usam da mesma assertiva fórmula de sucesso de “Preacher”, cortando o que seria exageradamente forçado e irrelevante deixando a série mais polida em seus oito episódios iniciais. O tom continua sendo muito violento, pervertido e irônico, dando uma satisfação visual na absurdidade das cenas.

A primeira temporada de “The Boys”, embora necessite de uma profundidade maior nos temas abordados, é empolgante e promissora. Como uma versão millenium de “Watchmen”, a Amazon Prime tem um tesouro em suas mãos que precisa ser trabalhado, com bastante cautela, mas de forma despretensiosa.

Ficha Técnica

Ano: 2019

Número de Episódios: 8

Nacionalidade: EUA

Gênero: Ação, Comédia, Crime

Criadores: Eric Kripke, Evan Goldberg, Seth Rogen

Elenco: Karl Urban, Jack Quaid, Antony Starr, Erin Moriarty, Jessie T. Usher, Elisabeth Shue, Simon Pegg

Avaliação do Filme

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