Por Luciana Ramos

 

A apresentação de Joe (Joaquin Phoenix) em “Você Nunca Esteve Realmente Aqui” é interessante, pois são seus olhos que guiarão a narrativa do filme. Planos de detalhe mostram seus dedos banhados em sangue, um rolo de fita adesiva e o colar com o nome de uma garota. Seu rosto está coberto por um saco plástico, onde ele respira cada vez mais fundo, sugando o resto do ar. Delineia-se, logo ao começo, que a violência é o elemento central da sua vida, a sua forma de trabalho.

Isso é filmado através de planos fechados, que aos poucos apresentam mais do ambiente onde ele se encontra, sempre com movimentos suaves e contínuos. As imagens são complementadas pela música intensa, que se mistura a ruídos característicos da cidade.

O personagem encurvado e intimidador então chega em casa, onde encontra uma mãe (Judith Roberts) frágil, embora bem-humorada. Essa aparente digressão narrativa tem o intuito de oferecer uma nova camada a ele, de humanizá-lo através dos cuidados concedidos a ela. A câmera, então, volta-se para os planos estáticos, mais abertos, pontuados apenas pelo som da conversa.

 

 

 

O mercenário transita entre esses dois lados da sua realidade de maneira aparentemente fluida. O peso emocional, porém, surge na forma de pequenos vislumbres de memória da guerra em que lutou, da infância traumática e do modo perturbador em que encontra refúgio para suas dores, um panorama rico da complexidade por trás do seu rosto duro e frio.

É com essa expressão meio apática que ele recebe uma tarefa do senador Votto (Alex Manette): o resgate da sua filha, Nina (Ekaterina Samsonov). Este lhe dá um endereço e pede brutalidade na ação, mas não oferece maiores detalhes sobre as circunstâncias do sumiço da garota. Com uma foto dela no bolso para identificação, Joe parte para o resgate, sem ter noção da proporção que essa missão tomará na sua vida.

Neste ponto, a diretora e roteirista Lynne Ramsay une as suas duas dimensões: a profissional e a familiar, trabalhando em uma curva ascendente de violência. Utiliza, para isso, a mescla das opções estéticas anteriores, mais ou menos intensas, a depender do momento. Como base, há o trabalho sonoro, sempre construído pela concomitância de trilha e ruídos, sejam eles provenientes de sons externos, do fluxo de pensamento do personagem ou, ainda, de cantorias melódicas em tom baixo.

 

 

No meio da composição narrativa, há um elemento extremamente importante: o trauma. Os constantes vislumbres já mencionados vão se acumulando, por vezes atrapalhando a concentração de Joe em momentos vitais. Fica extremamente claro que ele é a soma dessas passagens perturbadoras, o que não só justifica parcialmente as suas atitudes, como oferece um laço essencial na sua conexão com a garota que deve resgatar.

É importante destacar que o tratamento concedido por Ramsay para essa história passa longe do melodrama, que tradicionalmente aposta em caminhos de redenção – uma abordagem que já se tornou clichê. Em oposição clara, nenhuma resolução ensaiada ao longo de uma hora e meia de projeção do filme oferecerá o alento psicológico a Joe ou Nina; eles continuarão assombrados pelos fantasmas dos seus traumas – algo bem destacado na cena final.

“Você Nunca Esteve Realmente Aqui” foge de convencionalismos por assumir a crueza e brutalidade do tema, trabalhando-o com profundidade através de um personagem extremamente complexo. Este é incorporado com intensidade por Joaquin Phoenix, mais uma demonstração da sua amplitude enquanto ator. Por essa entrega ao papel, obteve reconhecimento no Festival de Cannes deste ano, onde ganhou o prêmio de Melhor Ator.

 

Pôster

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ficha Técnica

 

Ano: 2018

Duração: 89 min

Gênero: drama, mistério, suspense

Direção: Lynne Ramsay

Elenco: Joaquin Phoenix, Ekaterina Samsonov, Judith Roberts, Alex Manette

 

Trailer:

 

 

Imagens:

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