As acusações contra Harvey Weinstein, tido como todo poderoso da indústria do entretenimento, expuseram Hollywood como um ambiente permissivo ao abuso sexual, onde o poder era usado para calar as mulheres. Em muitos casos, como os de Ashley Judd e Mira Sorvino, as vítimas foram adicionalmente condenadas por resistirem ao assédio, sendo sistematicamente afastadas do mercado.

 

O caráter comum de comportamentos abusivos, reiterados por denúncias contra Louis C.K., Kevin Spacey, Brett Ratner e Dustin Hoffman, promoveram um debate sobre condições de trabalho que se alastrou no twitter via hashtag #metoo, onde pessoas compartilhavam suas histórias. Este evoluiu para o movimento Time’s Up, coletivo de 300 mulheres de Hollywood que batalham por mudanças definitivas no entretenimento, além do oferecimento de aconselhamento legal grátis para vítimas de assedio (em todas as áreas de trabalho).

 

Inevitavelmente, o Globo de Ouro, sendo a primeira premiação da temporada, foi positivamente contaminada pelo clima de protesto e empoderamento feminino, a começar pelo tapete vermelho. Atrizes e atores majoritariamente usaram preto como forma simbólica de combate ao assédio sexual, mudando o discurso do tapete vermelho do glamour da moda para o ativismo político. Este foi enfatizado pela escolha de alguns nomes poderosos, como Meryl Streep, Emma Stone, Emma Watson e Michelle Williams, em irem acompanhada de mulheres a frente de organizações que lutam pelos direitos de minorias, algo que fizeram questão de afirmar diante das câmeras.

 

Havia uma certa suspeita se o tom fora do Hotel Beverly Hilton iria adentrar o salão e pontuar a premiação em si, mas as escolhas da Associação de Imprensa Estrangeira (Foreign Hollywood Press) confirmaram essa preocupação, algo notado olhando para a lista de vencedores.

 

“Três Anúncios Para Um Crime”, embora bem recebido, não dominava as conversas sobre premiações até o momento, mas saiu como o grande vencedor da noite, com quatro prêmios. Uma justificativa plausível é o caráter combativo de sua narrativa, pautada na luta de uma mãe que teve a filha estuprada e assassinada por justiça.

 

“Big Little Lies” também foi agraciado com quatro estatuetas, confirmando o favoritismo. Cabe notar que esta obra lida diretamente com agressões físicas e psicológicas e é centrado na percepção feminina sobre os acontecimentos. Adicionalmente, no campo da televisão, destacam-se as vitórias de “The Handmaid’s Tale” como Melhor Drama e Melhor Atriz Dramática (Elisabeth Moss) e “The Marvelous Mrs. Maisel” como Melhor Série de Comédia e Melhor Atriz de Comédia (Rachel Brosnahan). A primeira é uma obra distópica em que as mulheres são reduzidas a função reprodutora; já a segunda, conta a jornada de uma dona de casa dos anos 50 que deseja se tornar comediante.

 

Postos em conjunto, fica clara a escolha predominante de obras que privilegiem o ponto de vista feminino e tratem de suas lutas, seja pela aceitação social, seja pela resistência ao abuso, seja por justiça. Esse caráter social da premiação foi obviamente refletido em discursos inspirados sobre o tema, como o de Elisabeth Moss, Laura Dern e Oprah.

 

 

A gigante da indústria e recipiente do prêmio Cecil B. De Mille pela sua colaboração ao mundo do entretenimento foi ovacionada diversas vezes ao tratar de raça, representatividade e clamar por mudanças em tom esperançoso, usando a história trágica de Recy Taylor, que foi estuprada no Alabama e nunca obteve justiça, como fio condutor. Suas palavras foram o ponto alto da noite, não só pela eloquência, mas por refletirem o ambiente, um misto de protesto e união (feminina e masculina, que apoiaram a causa usando broches do Time’s Up) em prol de mudanças sistemáticas em uma indústria poderosa para que, no futuro, todos, sem exceção, tenham os seus direitos garantidos e sejam devidamente respeitados enquanto desempenham seus trabalhos.

 

Assim, o Globo de Ouro 2018 representou um começo animador e substancial para uma temporada de premiações mais reflexiva.

 
Confira a lista completa de vencedores aqui. 
 

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